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#Destaques | 28/03/2018

No dia 8 de março é “celebrado” o Dia Internacional da Mulher. Entretanto, com tantas diferenças ao pensar na relação homem-mulher, é possível questionar o quanto essa data deve ser comemorativa. Com salários mais baixos, mesmo com nível de escolaridade equivalente, com diferentes formas de violência contra a mulher, com assédios e abusos, com tudo que faz um gênero ser opressor (masculino) e um oprimido (feminino), a data ganha maior significado quando falamos de luta e resistência.

 

Durante todo o mês, o Sindicato realizou uma série de entrevistas com mulheres representativas em áreas da política e da luta sindical. E para encerrar a série, o bate papo foi com a advogada Fernanda Livi, especialista em direito trabalhista. Atuando no Woida, Magnago, Skrebsky, Colla & Advogados Associados, ela abordou a relação entre direitos trabalhistas e o gênero feminino.

 

Confira o vídeo e, logo abaixo, a entrevista completa:

 

 

 

 

STIMMMEC: Em causas trabalhistas, quais os pontos que mais afetam as mulheres e geram processos?

 

Fernanda: A CLT tem alguns artigos que se referem especificamente ao trabalho da mulher que sofreram alterações e foram bem impactados pela reforma trabalhista. Um pedido específico da mulher que nós fazíamos nas reclamatórias trabalhistas é o do artigo 384 da CLT. Ele refere que sempre que a mulher necessitar estender a jornada de trabalho e for necessário que faça horas extras, ela teria que gozar de um intervalo de 15 minutos.

 

E este intervalo de 15 minutos não era observado nas empresas. Quando era exigido da mulher a prestação de trabalho extraordinário, a jornada extraordinária se iniciava imediatamente após o término da jornada já convencionada. Não havia esse intervalo de 15 minutos que a lei anteriormente à reforma previa. Esse era um pedido que se fazia especificamente para a mulher.

 

Em relação aos demais pedidos das reclamatórias trabalhistas, fora algum assédio moral ou mais específico em relação à condição da mulher, pedidos de assédio sexual não são tão comuns, pelo menos na nossa categoria. Talvez pela natureza do trabalho, porque o assédio sexual pressupõe que haja uma insubordinação entre o assediador e a assediada, e não se vê muito. Então assim, não teria muitos pedidos específicos das mulheres nas reclamatórias.

 

STIMMMEC: O último domingo, dia 25, marcou os 30 anos da Constituição Federal. Dentre os avanços conhecidos, entre direitos trabalhistas, previdenciários e sociais, muitos não se cumprem de fato, mesmo previstos em lei. A isonomia salarial é um exemplo e é uma questão importante nas relações trabalhistas. Na sua visão, quais são os impedimentos da aplicação jurídica?

 

Fernanda: A Constituição de 88 foi um marco porque ela disse o óbvio: homens e mulheres são iguais. E ela disse um outro óbvio também: estabeleceu igualdade de deveres na relação conjugal entre homem e mulher. Por mais engraçado que isso até possa parecer, está no texto constitucional. Lá está escrito que homens e mulheres são iguais e que na sociedade conjugal, no casamento, os deveres de ambos também são iguais.

 

Se eu pudesse dizer, então, o porquê de eu achar que essa igualdade, na prática, não se aplica, diria que, apesar de ser um lugar comum, ainda existe muito preconceito em relação ao trabalho da mulher. E isso a gente vê em todos os tipos de trabalho, em todas as esferas. A gente vê preconceito na nossa categoria, no chão de fábrica, nos cargos que têm nível superior, nos setores administrativos das empresas. Existe ainda uma cultura de que o homem pode melhor desempenhar ou desempenhar atividades que as mulheres não tão bem desempenhariam.

 

Infelizmente, isso existe. E mais: existe, em alguns casos, o entendimento de que o homem, apesar de desempenhar a mesma função que a mulher, merece ou deveria ganhar mais do que ela porque ele teria que prover um lar já que ele é o principal provedor do lar. E isso a gente sabe que não existe. Têm muitas mulheres que provêm os lares, sozinhas, ou muitas vezes dividindo essa tarefa com o homem.

 

Então, por mais lugar comum, por mais que isso já seja uma coisa muito batida, eu acho que existe, sim, um preconceito que impede que essa igualdade na prática seja aplicada. E esse preconceito está intrínseco em muitas coisas. Às vezes ele é mais latente, é mais visível de identificar, mas em outras vezes ele é muito sutil. É uma questão cultural. E é uma questão que a sociedade tem que mudar.

 

As coisas têm que acontecer porque não basta só ter a lei dizendo “ai, tem que ser assim” se culturalmente a gente não consegue que isso aconteça. Não existe nenhum processo ou controle judicial que vá corrigir isso. Quando tu me perguntaste anteriormente se existia, nas reclamatórias trabalhistas, alguns pedidos que fossem mais característicos das mulheres, eu até poderia te dizer “ah, existem pedidos em que a gente busca uma isonomia salarial de mulheres que exerçam as mesmas atividades que os homens e que ganhem menos”.

 

Eu já vi isso lá no escritório. A gente já teve processos dessa natureza, mas a prova também é bastante difícil de fazer porque parece que está regrado culturalmente que o homem ganha mais porque ele faz alguma coisa a mais. Ou ele ganha mais porque ele tem alguma capacidade que a mulher não tem. Então eu acho que é por aí. A legislação está lá. É um avanço importante? É. Mas enquanto não houver uma mudança cultural, vai ficar um texto.

 

STIMMMEC: O direito tem um aspecto pragmático, ainda que a lei seja interpretativa. Como tu enxergas a relação entre legislação trabalhista/Constituição e as mulheres? Existe alguma sensibilidade no direito frente às desigualdades de gênero e condições de trabalho?

 

Fernanda: Acho que sim, a Legislação foi para corrigir isso. Como a gente já conversou, existem dispositivos na constituição que igualam, existem dispositivos na própria CLT que buscam uma maior proteção. A CLT tem um capítulo que é específico de proteção à mulher. Lá está inserido esse intervalo que conversamos anteriormente, a proteção à gestante e à lactante, que também foi alterado com a reforma trabalhista. Ali está inserido uma série de questões que são relativas especificamente ao trabalho da mulher.

 

A Legislação se preocupou com isso. Existe uma proteção legislativa para o trabalho da mulher. Mas acontece que muitas vezes, na prática, não consegue ser aplicado como deveria. E onde a gente avançou, em alguns pontos, como era inserir na CLT essas garantias específicas e essas proteções maiores ao trabalho da mulher, a gente acabou tendo um retrocesso agora com a reforma.

 

Ela tirou esses 15 minutos do intervalo anterior à jornada extraordinária e permitiu o trabalho em ambiente insalubre da gestante e da lactante. Era vedado, em todos os graus, o trabalho da gestante e da lactante em locais insalubres, tanto máximo, médio e mínimo. Agora, se a insalubridade for média ou mínima, é possibilitado que ela trabalhe.

 

Então a Legislação tem, sim, uma proteção específica e uma sensibilidade com a mulher, buscando corrigir alguma questão que talvez não seja tão isonômica na prática, mas nós tivemos recentemente um retrocesso em relação a isso. Isso é importante dizer. E também uma coisa interessante que eu estava vendo é que a gente fica perguntando “tá, mas por que a mulher talvez tivesse que ter esses 15 minutos de intervalo antes de começar as horas extras?”. Vamos supor que a jornada vá até às 18h e o empregador diga pra ela “não, hoje então nós vamos fazer duas horas extras e tu vais ficar até às 20h”. Por que então a mulher deveria descansar 15 minutos e o homem não? E eu estava lendo e, historicamente, surgiu porque a mulher teria que avisar o marido que ela precisaria ficar no trabalho até mais tarde. Então é o objetivo desse intervalo, que também é um pouco até engraçado.

 

STIMMMEC: Especificando o que tu já comentaste anteriormente, recentemente tivemos a Reforma Trabalhista aprovada, com inúmeros retrocessos. No que diz respeito às mulheres, em que pontos a nova legislação retrocede em direitos?

 

Fernanda: Especificamente em relação à mulher, a supressão do intervalo de 15 minutos antes do início da jornada extraordinária e a permissão do trabalho da gestante e da lactante em ambiente insalubre. Mas mais do que isso, o que a gente poderia pensar? Homens e mulheres já têm uma condição desigual. A gente sabe que na prática isso é na metalurgia, nos cargos mais de chão de fábrica, em outras profissões também: a mulher tem uma dupla jornada.

 

É necessário que ela faça sua jornada para o empregador, que ela trabalhe fora de casa, e, quando ela chega em casa, tem todas aquelas tarefas domésticas que a gente sabe que não há uma divisão efetiva. Se o trabalhador foi prejudicado com a reforma trabalhista – e foi, porque ela é uma reforma que retrocede, tira direitos, tem uma série de questões prejudiciais – a mulher é mais prejudicada ainda porque o prejuízo dela acaba se agravando na medida em que ela tem ainda uma outra jornada a cumprir, que é dentro de casa.

 

A criação dos filhos, as tarefas domésticas, culturalmente, ainda é uma tarefa feminina. Na maioria dos lares, essa tarefa é absorvida, se não integralmente, na sua grande maioria, pela mulher. A mulher acaba sendo sobrecarregada. Hoje em dia, a gente vê, na nossa categoria, que as mulheres estão assumindo os postos de trabalho. Elas trabalham fora de casa, nas mesmas condições que os homens, nas fábricas lado a lado com os homens, e quando elas chegam em casa, ainda têm todo aquele trabalho, que é um trabalho e que as pessoas não reconhecem como trabalho.

 

Parece que é uma coisa inerente à mulher. Aquilo ali faz parte dela. Se ela não fizer aquilo é porque tem alguma coisa errada. E não. É um trabalho, ele é cansativo. Se ela já vai ser prejudicada no ambiente de trabalho em si pelo alicerçamento da jornada –houve toda uma mudança na reforma trabalhista em relação às horas extras que acaba prejudicando o trabalhador – então a jornada pode ser elastecida de uma forma diferente. Tudo isso acaba sobrecarregando ainda mais a mulher. Nesse sentido, eu acho que é importante tocar nesse ponto. Ela acaba tendo mais prejuízo do que o homem.

 

STIMMMEC: Na Convenção Coletiva da categoria, as mulheres têm direitos garantidos em relação à estabilidade (da gestante), à amamentação, ao aborto e ao material de higiene no ambiente de trabalho, por exemplo. Estas conquistas, que são fruto da luta do sindicato, estão ameaçadas com a aprovação da reforma ou ao término da atual Convenção? Qual é o cenário mais provável?

 

Fernanda: O que é importante que a gente diga é o seguinte: a Convenção Coletiva é fruto da negociação do sindicato com as empresas ou com o sindicato patronal. Ela traz nela conquistas históricas de luta que o sindicato entabulou. E o que nós temos hoje, com essa reforma trabalhista, no primeiro momento, eu te diria que é um ataque muito grave em relação ao financiamento ou ao custeio das entidades sindicais.

 

Se a Convenção se mantiver dessa forma, se esses direitos vão se manter, tudo vai depender de como as entidades sindicais ou a nossa entidade sindical vai reagir a essa reforma. A Convenção Coletiva pressupõe uma representação dos trabalhadores e nós temos que ter o apoio dos trabalhadores para que nós possamos negociar melhores condições. O Sindicato precisa ser forte nesse sentido.

 

Com todos os ataques que tiveram em relação ao movimento sindical, ao custeio, à retirada de direitos, a gente ainda não sabe como vai refletir no mundo do trabalho. Então eu não gostaria de pensar que os direitos da Convenção estão ameaçados. Eu gostaria de pensar que o sindicato precisa se fortalecer para que a gente possa manter essa Convenção e quem sabe ter avanços, mas tudo isso vai depender de como o movimento sindical reage a esses ataques da reforma. Estamos ainda em um cenário que precisa ser mais bem avaliado, precisam ocorrer algumas adequações para que a gente veja em que condições os sindicatos vão sair disso.

 

Fonte: STIMMMEC

Fontes:

Publicado em:28/03/2018

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