#Notícias | 08/06/2020
Mais uma Medida Provisória (MP) editada pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) muda as leis de proteção ao trabalhador para combater a crise econômica agravada pela pandemia do coronavírus (Covid 19).
A MP n° 927, que deve ser votada nesta semana pela Câmara Federal (a votação virtual devia ter ocorrido na semana passada, mas por falta de acordo foi retirada da pauta), traz diversas mudanças para permitir a redução de jornada e salários.
A MP prevê ainda mudanças nas férias, no banco de horas, no pagamento de horas extras, aumenta a possibilidade de carga horária dos profissionais de saúde, retira direitos previamente estabelecidos em acordos coletivos, permitindo que patrão e trabalhador celebrem acordo individual abrindo mão de direitos sem a participação de sindicatos, além de regular o teletrabalho, a antecipação de feriados com longo prazo para compensação, entre outras medidas.
Entre todas as mudanças na legislação trabalhista que estão na MP, a mais criticada pelo procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Marcio Amazonas, é a que possibilita que o trabalhador celebre acordo individual com a empresa, abrindo mão de direitos, sem a participação de sindicatos.
“Embora os ministros do STF [Supremo Tribunal Federal] tenham decidido que os acordos individuais podem prevalecer sobre os coletivos, ainda assim, a MP fere o artigo 7º da Constituição. Quero crer que o STF tenha se utilizado de um direito constitucional de crise, uma situação excepcional por causa da pandemia”, diz o procurador.
“O acordo individual sobrepor ao coletivo individual é uma grave ferida à Constituição e aos sindicatos. É uma mancha indelével, uma mancha que não sai porque restringe um direito constitucional e a MP abre a possibilidade de ser utilizado de novo”, disse Amazonas.
Por isso, prossegue o procurador, é preciso ficar de olhos abertos e vigilantes, atentos à votação no Congresso para não legitimar inconstitucionalidades, que uma situação excepcional de crise se torne permanente.
Amazonas diz que embora o STF tenha validado o acordo individual sobrepor ao coletivo caberia ao Congresso Nacional o controle da constitucionalidade da MP.
“Embora a última palavra seja do STF, o controle também é feito por outros poderes, pelo Congresso Nacional, que poderia ter retirado essa parte do texto da MP”, afirma Amazonas, que também é secretário de Relações Institucionais do MPT.
Outro ponto bastante questionado pelo Ministério Público do Trabalho é o que permite o aumento da jornada dos profissionais de saúde, que já vêm sofrendo com excesso de carga de trabalho, por causa da pandemia do coronavírus.
Para a procuradora regional do Trabalho do MPT, Ileana Mousinho, aumentar a carga horária possibilita erros de avalição e erros médicos Atualmente esses profissionais exercem uma jornada de 12 horas diárias por 36 horas de descanso.
Mousinho explica que o aumento de jornada nos serviços de saúde é inconstitucional, já que a norma da Convenção nº 155 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que o Brasil é signatário, diz que é preciso examinar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de saúde e segurança do trabalho e meio ambiente do trabalho.
“Essa norma estabelece limites à jornada de trabalho dos profissionais de saúde em no máximo 12 horas, que ainda não é uma jornada tão saudável assim. Portanto, ampliar as horas trabalhadas desses profissionais em momento de pandemia é absolutamente incoerente, já que eles não conseguirão prestar um serviço adequado à população, aumentando a possibilidade de erros médicos, já que não estarão descansados”, avalia a procuradora que é vice-coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Regularidade do Trabalho na Administração Pública (Conap).
Ileana Mousinho afirma que o governo brasileiro, ao contrário do que traz a Medida Provisória, deveria limitar a jornada desses profissionais, já que poderá haver uma segunda e terceira ondas da doença até que seja descoberta uma vacina.
“São precisas medidas de segurança para preservar a mão de obra dos profissionais de saúde porque se ocorrer um alto grau de adoecimento na categoria, se corre o risco de quando chegar a segunda onda da pandemia não termos esses profissionais com saúde para poder enfrentar novamente o coronavírus ”, alerta.
Jabuti do relator impediu votação da MP 927
A MP 927 deveria ter sido votada na Câmara Federal, na semana passada, mas o relatório do deputado Celso Maldaner (MDB-SC) revoltou o MPT e parte dos parlamentares, fazendo com que o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), decidisse pela retirada da pauta até que caísse do texto um item estranho à MP, o chamado jabuti. Com a falta de acordo, Maia suspendeu a votação que seria online por causa da pandemia.
No relatório o deputado Maldaner incluiu uma mudança na escala de descanso dos trabalhadores e trabalhadoras dos frigoríficos, o que nada tinha a ver com o combate à crise do coronavírus.
O art. 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) assegura pausas de recuperação térmica, de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho, nos frigoríficos, em qualquer ambiente artificialmente frio.
O relator incluiu na MP que o descanso de 20 minutos valeria apenas para os trabalhadores nos setores dos frigoríficos com temperatura inferior a 4º Celsius, o que limitaria o descanso a apenas 5% do quadro funcional.
Em nota técnica, o MPT criticou o relatório do deputado Maldaner em relação à mudança na escala de descanso . Segundo o órgão, “nos frigoríficos de aves, bovinos e suínos, dentre outros, somente os setores de expedição e paletização apresentam temperaturas iguais ou inferiores a 4ºC, e não chegam a empregar 5% do total de empregados em uma planta frigorífica. Isto equivale dizer que cerca de 95% dos trabalhadores em frigoríficos de todo o país teriam seu direito fundamental à saúde restringido”.
“É de uma maldade sem tamanho incluir mudanças na CLT que prejudicam os trabalhadores numa MP que trata da pandemia”, critica Amazonas.
Para ele, incluir um jabuti numa MP é uma falta de respeito com a sociedade, com o próprio Congresso Nacional e deixa o parlamentar sem opção, que não se sentirá confortável em votar totalmente contra uma medida de combate à pandemia.
“Não se pode enganar a sociedade e transformar uma MP ,num momento de pandemia, numa colcha de retalhos. O povo, que é o fiscal do poder legislativo, não pode ser pego de supetão , é desrespeitoso, um precedente perigoso para a lisura do processo legislativo”, afirma Amazonas.
Fonte: CUT Brasil