#Notícias | 12/11/2019
O Rio Grande do Sul perdeu 121.156 postos de trabalho entre 2013 e 2018. São dados do extinto Ministério do Trabalho e Emprego e do IBGE. Deste total, 23.768 empregos sumiram no setor de materiais de transporte, 19.845 na indústria de calçados e 17.609 na metalurgia. Mais do que números, a evidência de que certo ufanismo – aquelas nossas façanhas que seriam modelo a toda terra – destoa da realidade atual dos gaúchos. O que está em curso é um processo de encolhimento da indústria no Estado. Mas por qual razão o Estado passou a crescer como rabo de cavalo, ou seja, para baixo?
Para os economistas Cristina Vieceli e Rober Ávila, a raiz mais recente do problema está ligada “ao ajuste fiscal, à redução de gastos públicos, à crise política e à redução dos preços dos produtos primários”. Houve uma diminuição da oferta de emprego no país que, no caso gaúcho, “levou à destruição do Polo Naval em Rio Grande, afetado pela Lava Jato”. Reparam que a crise também afetou fortemente a região de Caxias do Sul, atingindo o polo metal mecânico e desencadeando “perda de dinamismo da economia como um todo, e da indústria em particular”.
Quatro mil empresas fechadas
Vinculados ao DIEESE, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, os dois também integram o Movimento Economia Pró-Gente, coletivo de profissionais do setor para quem a economia deve estar a serviço das pessoas e não o contrário.
Eles lembram que a devastação do emprego foi acompanhada pela falência ou o abandono do Estado pelas empresas. O Rio Grande presenciou o sumiço de aproximadamente quatro mil estabelecimentos entre 2014 e 2018. Destes, 1.240 do segmento calçadista. “Neste cenário – reparam – o volume da produção industrial decresceu 13,4% entre o primeiro trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2019”.
A indústria depende do Estado
Assinalam que a marcha da desindustrialização do Rio Grande do Sul deve ser compreendida dentro do contexto brasileiro. Foi acelerada pela abertura econômica nos anos 1990 – períodos Collor, Itamar e FHC – que ampliou a importação de produtos industrializados o que, junto com o real altamente valorizado, provocou quebradeira na indústria nacional. Citam ainda os efeitos negativos da desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados, através da chamada Lei Kandir que passou a vigorar em 1996. A nova legislação – proposta pelo ministro Antonio Kandir, do Planejamento, no governo FHC –achatou a arrecadação de ICMS dos estados exportadores – caso de Rio Grande – e incentivou os setores não industriais.
Vieceli e Ávila apontam que a industrialização do Brasil só aconteceu com o apoio estatal, seja através das próprias estatais, seja da política industrial. Então, a partir do momento em que o Estado reduz sua participação na produção, cai também a participação da indústria na economia nacional. “É muito difícil reanimar a indústria sem a participação do Estado”, notam.
Se o quadro atual é ruim, as perspectivas são piores com a intenção do governo Bolsonaro de promover uma abertura unilateral, sem contrapartida dos países favorecidos. E justamente quando várias nações, ao inverso, impõem barreiras tarifárias. “Caso isto ocorra, a tendência é uma dilapidação dos setores industriais que têm menor competitividade externa. O setor automobilístico, por exemplo, deve sofrer bastante”, projetam.
Uma economia do Brasil-Colônia
Procurado, o presidente da Fiergs, Gilberto Petry, não foi encontrado para comentar o retrocesso. Porém, um ex-presidente da federação – que preferiu falar em off – observou que o recuo é evidente, mencionando a perda de milhares de postos de trabalho no Sul do Estado, a partir do momento em que a Petrobras, sob pressão da operação Lava Jato, voltou a comprar plataformas de petróleo na Ásia. Salientou que os manufaturados perderam espaço nas exportações para commodities como grãos, minérios e animais vivos, delineando um perfil econômico aproximado do Brasil-Colônia.
Como ilustração, assinalou que, durante o Brasil Império não se vendia gado em pé, mas carne processada nas charqueadas. Em contraposição, apenas no ano passado, 98 mil cabeças de gado foram embarcadas no Porto de Rio Grande para serem abatidas nos países compradores, gerando empregos além fronteiras e fechando vagas e indústrias no Rio Grande do Sul.
Uma economia distante da necessidade social
Mais de seis mil trabalhadores do setor de saneamento perderam seus empregos entre 2010 e 2017. No entanto, quase 60% da população da Grande Porto Alegre não têm coleta de esgoto. O primeiro dado é do Instituto Trata Brasil. O segundo é do Observatório da Realidade e das Políticas Públicas do Vale do Rio dos Sinos. Juntos, os dois números atestam o distanciamento entre necessidade social e economia. Existe demanda, ela não é atendida e o fato gera desemprego.
Rio Grande, a cidade que teve o futuro roubado
Vinte e cinco mil empregos diretos perdidos. Este é o saldo que ficou para Rio Grande, Sul do estado, 211 mil habitantes, após o governo federal suspender seus investimentos no Polo Naval. “O Polo gerava empregos não só na região de Rio Grande como também em muitas regiões, como as de Caxias, Passo Fundo, Novo Hamburgo e outras”, explica o secretário de Desenvolvimento do município, Cláudio Dutra.
Implantado durante o governo Lula, o Polo Naval foi a principal medida tomada, em décadas, para promover o desenvolvimento da Metade Sul, área de baixa industrialização e dependente da economia de base agrária. A construção de plataformas marítimas de exploração de petróleo para a Petrobras alavancou a indústria e desencadeou um surto desenvolvimentista. Com falta de trabalhadores, Rio Grande recrutava mão de obra no restante do estado e até em outras regiões do Brasil, mas especialmente em Pelotas, Capão do Leão, São José do Norte, São Lourenço do Sul, municípios do seu entorno. Porém, o golpe de 2016 fraudou o futuro da cidade.
Para Dutra, o pior da decisão tomada por Michel Temer contra o Polo Naval e mantida por Jair Bolsonaro não é propriamente a perda de postos de trabalho e o fechamento de empresas. “O maior prejuízo é a perda da expectativa de uma cidade que viveu o pleno emprego, com qualidade de vida, com empregos de qualidade com melhor distribuição da renda”, lamenta.
Apesar de tudo, o secretário conta que a prefeitura está investindo cerca de R$ 300 milhões em obras públicas, principalmente na construção de postos de saúde, escolas e sistema viário. “São mais de 70 obras em execução, o que gerou cerca de 500 empregos diretos”, ilustra. Também, em parceria com o Sebrae e o Senac, está treinando trabalhadores tanto para montagem de seus negócios quanto para aprendizado de novas profissões.
A cidade, explica, não desistiu do futuro. “Esta luta continua, temos uma planta moderna instalada. Existe hoje uma infraestrutura pronta, existe demanda por parte da indústria naval, portanto temos perspectivas”, diz. Porém, acentua que falta algo muito importante em termos de Brasil. “Precisamos ter governos que tenham como norte a soberania do povo, a soberania da Nação”, ressalta.
Maior indústria instalada no estado pode ser vendida
Outra ameaça que pesa sobre o Rio Grande é a venda da Refap, a Refinaria Alberto Pasqualini, maior indústria do estado. O governo Bolsonaro quer privatizá-la. Fernando Maia da Costa, presidente do Sindicato dos Petroleiros/RS, adverte que o novo dono poderá transformar a instalação em um terminal de importação de combustíveis, o que representará mais desemprego e menor arrecadação de impostos.
Em artigo publicado no site Brasil de Fato RS, Costa nota que a privatização da Refap ainda atingirá os cofres da prefeitura de Canoas, sede da refinaria. Cálculos da prefeitura indicam perda de arrecadação de R$ 100 milhões por ano.
Para Costa, a venda também causará mais dois problemas: 1) gerará um monopólio privado; 2) aumentará os preços da gasolina, diesel e gás de cozinha. Explica que, desde 2016, por decisão de Brasília, o preço dos combustíveis está atrelado ao mercado externo. “Qual empresa compradora virá cobrar preço menor do que o internacional?”, indaga.
Muitas indústrias fecharam as portas nos dois últimos anos. Abaixo, algumas delas:
Pirelli
Produto: Pneus para motos
Demissões: 900
Onde: Gravataí
Bottero
Produto: Calçados
Demissões: 630
Onde: Osório, Santo Antônio da Patrulha, Nova Petrópolis e Parobé
Deca
Produto: Louças e metais sanitários
Demissões: 480
Onde: São Leopoldo
Dakota
Produto: Calçados
Demissões: 140
Onde: Sarandi
Nestlé
Produto: Laticínios
Demissões: 18
(E mais de 1 mil produtores de leite perderam seu mercado)
Onde: Palmeira das Missões
Chrysalis
Produto: Calçados
Demissões: 400
Onde: Três Coroas
Fonte: Ayrton Centeno, Fabiana Reinholz e Walmaro Paz – Brasil de Fato