#Destaques | 27/01/2017
A servidora pública Maria Aparecida de Souza, de 58 anos, trabalha em uma escola estadual na Zona Leste de São Paulo e ainda não tem perspectivas de se aposentar nos próximos anos. Aprovada em um concurso público há cinco anos, ela voltou ao mercado do trabalho após duas décadas sem trabalhar fora de casa.
Cida, como é conhecida, tem dois filhos e passou a se dedicar exclusivamente às tarefas domésticas quando o primeiro nasceu, Vinicius. “Eu saí do emprego para cuidar dos meus filhos. Não tinha ninguém para ficar com eles, então preferi ficar em casa”, conta. Hoje, ela soma somente 17 dos 25 anos de contribuição exigidos pelo sistema previdenciário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para se aposentar com o salário parcial.
A história dela é semelhante à de outras mulheres que têm dificuldades de se recolocar no mercado após a gravidez. As que conseguem manter seu emprego ou se recolocar, normalmente enfrentam uma jornada tripla de trabalho: o exercício da profissão, as tarefas da casa e o cuidado dos filhos.
A militante feminista Bernadete Monteiro, da Marcha Mundial das Mulheres, pondera que, ao diferenciar a idade para aposentadoria, o Brasil é um dos poucos lugares que ainda reconhecem a disparidade na divisão do trabalho e as desigualdades entre gêneros. Hoje, as brasileiras podem se aposentar aos 55 anos, cinco anos antes dos homens.
A Reforma da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer (PMDB) na forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, no entanto, propõe encerrar este benefício. A medida, que aguarda apreciação no Congresso Nacional, quer fixar a idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres em 65 anos, tanto para trabalhadores urbanos quanto rurais.
Para Alessandra da Costa Lunas, secretária de mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o texto da medida revela uma “visão extremamente equivocada” da realidade social das mulheres. “A grande preocupação é essa. Quando a PEC propõe igualar a idade [de aposentadoria] de homens e mulheres, já é uma perda para todas, porque sabemos que, infelizmente, ainda não estamos em situação de igualdade salarial ou de acesso [aos postos de trabalho]“, diz.
Ela frisa ainda que as mulheres do campo, que atualmente podem se aposentar dez anos antes dos homens que trabalham nas cidades, seriam duplamente prejudicadas ao perder, também, a aposentadoria especial. O benefício, atualmente, reconhece a penosidade do trabalho rural.
Tarefas domésticas
Para propor a equiparação entre os gêneros, a PEC 287 argumenta que “a melhora da oferta educacional na primeira infância contribuiu para a redução do número de mulheres que apenas cuidam das tarefas domésticas”. O documento cita dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que mostra que o número de mulheres de 15 a 29 anos de idade que se dedicam aos afazeres domésticos caiu de 88,2% para 84,6% entre 2004 e 2014.
No entanto, Monteiro afirma que a queda foi pequena. Ela lembra que a PNAD também explicitou que, embora a presença das mulheres no mercado de trabalho tenha aumentado, o tempo gasto com serviços domésticos teve uma pequena redução de 27,1 horas para 25,3 horas semanais no mesmo período. Enquanto isso, o tempo dedicado por homens às tarefas domésticas se manteve inalterado em 10,9 horas semanais, menos da metade da dedicação feminina.
A militante feminista pondera ainda que é preciso questionar o que eles consideram trabalho doméstico. “Quando você nota o que é considerado trabalho doméstico para os homens, muitas vezes é a jardinagem e os pequenos consertos, ou levar o filho na escolha. Os outros trabalhos continuam com as mulheres”, avalia.
Mercado de trabalho
Além disso, segundo a proposta do governo, os novos “rearranjos familiares, com poucos filhos ou nenhum, estão permitindo que a mulher se dedique mais ao mercado de trabalho, melhorando a sua estrutura salarial”.
Para Monteiro, a aproximação salarial entre os gêneros se deve, principalmente, à valorização do salário mínimo nos últimos anos, já que elas estiveram em faixas salariais mais baixas. “Quanto mais escolaridade a mulher tem, mais desigual é o seu salário [em relação ao de um homem]. Essa equiparação está melhor em faixas salariais menores, sobretudo como fruto de uma política de redistribuição de renda”, afirmou.
Já Lunas afirma que legislação que visam para a igualdade de gênero são de longo prazo e deve-se levar anos para efeitos reais de algumas medidas recentes. “Nós mal começamos a ter acesso às políticas que estão buscando fazer uma equiparação. Se olharmos a prática hoje, tem pouco mais de um ano que tivemos uma regulação que previu minimamente que as domésticas”, declarou.
A PEC 287 cita ainda que, também de acordo com a PNAD, o rendimento da mulher aumentou ao longo dos últimos anos, passando de 66% do rendimento dos homens em 1995 para 81% em 2014 – e que “é possível perceber que a tendência é que essa diferença se reduza ainda mais”.
Lunas afirma que a proposição não é coerente com as prioridades do governo, que promoveu cortes no orçamento de áreas de políticas públicas para as mulheres. Por isso, ela aposta que a aproximação salarial deve caminhar a passos lentos.
“Se vamos olhar as prioridades deste governo para as políticas públicas para as mulheres, só no enfrentamento à violência, o corte de gastos foi absurdo. Foi destinado um pouco mais de R$ 17 milhões para enfrentar a violência, e se extinguiu uma secretaria específica para criar políticas para mulheres. É dessa forma que vamos equiparar e construir uma condição de igualdade na sociedade?”, questionou.
Fonte: Brasil de Fato