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#Destaques | 08/03/2018

Março é o mês da mulher. No dia 8, é “celebrado” o Dia Internacional da Mulher. Entretanto, com tantas diferenças ao pensar na relação homem-mulher, é questionado o quanto essa data deve ser comemorativa. Com salários mais baixos, mesmo com nível de escolaridade equivalente; com diferentes formas de violência contra a mulher; com assédios e abusos; com tudo que faz um gênero ser opressor (masculino) e um oprimido (feminino), a data é de luta e resistência.

 

 

O Sindicato conversou com a pesquisadora e economista do Dieese Cristina Vieceli. Doutoranda na UFRGS, defendeu a dissertação sobre empregadas domésticas. Em 2017 publicou,ao ledo de outras duas pesquisadoras, o livro Emprego Doméstico no Brasil: Raízes Históricas, Trajetórias e Regulamentação. Estuda mulher no mercado de trabalho desde a graduação.

 

Confira o vídeo e, logo abaixo, a entrevista completa:

 

 

 

 

 

STIMMMEC: As mulheres recebem menos que os homens mesmo com trabalhos equivalentes. A gente tem essa diferença salarial em postos semelhantes ou iguais. Mas, mesmo assim, os homens são mais contratados. Não existe uma preferência por contratar mulheres ainda que você pague menos para elas. Como vocês entendem isso? Por que isso acontece?

 

 

 

Cristina: São várias coisas que estão implícitas, mas tem a ver com o papel da mulher e do homem dentro da sociedade que, por sua vez, tem tudo a ver com os estereótipos de gênero, de como é ser mulher dentro da sociedade. Desde criança, a mulher ganha uma boneca, aprende a cuidar, e, principalmente, tem o papel de cuidadora, casar e ter filhos, enquanto o homem está voltado para o mercado de trabalho. Mesmo que isso tenha mudado muito e a gente tenha uma entrada maciça de mulheres na década de 70 no mercado de trabalho, ainda é muito presente esse papel de cuidadora para a mulher.

 

 

Então a gente vai ter as mulheres com filhos, que irão muitas vezes sair do mercado de trabalho e procurar empregos de meio turno. Isso também decorre do fato de que, no Brasil, a gente tem licença maternidade de seis meses, enquanto a licença paternidade agora mudou para 20 dias (mas só para as empresas que aderem ao programa Empresa Cidadã). Então a presença da mulher no mercado de trabalho é diferente do homem porque a gente não tem recursos sociais, o Estado não provê estes recursos.

 

 

Como escolas públicas de educação infantil têm um déficit enorme, muitas vezes é preciso colocar no setor privado, mas mesmo assim a mulher tem esse papel dos afazeres domésticos. Saiu uma pesquisa recentemente pelo IBGE – que faz essa pesquisa desde 2012, mas atualmente mudaram a metodologia – e o tempo que a mulher destina pra afazeres domésticos é o dobro do tempo que os homens destinam. Então mesmo que as mulheres têm se ocupado no mercado de trabalho, a questão da dupla jornada recai muito mais sobre a mulher.

 

 

As jornadas femininas totais chegam à 54h semanais e a dos homens à 51h semanais totais, se a gente for somar tanto os afazeres domésticos quanto os voltados para o mercado de trabalho. Então a gente vai ter uma escassez de tempo para a mulher se cuidar ou fazer atividades de lazer, isso é uma questão determinante. Em relação aos salários, têm várias questões, porque a mulher tem o peso para cuidar dos filhos e tem toda a questão do preconceito de gênero.

 

 

Tem uma coisa que as feministas chamam de “teto de vidro”, que são os impedimentos para a mulher chegar aos postos de poder e de liderança, e, mesmo chegando nesses postos, elas não têm os mesmos salários. Se a gente for pegar os dados sobre escolaridade e remuneração, a gente vai ver que as maiores diferenças salariais estão em níveis superiores. A gente tem uma diferença de salários entre homens e mulheres de 36% em mulheres com escolaridade superior. Em relação às mulheres de menor escolaridade e homens, 17% no último dado da FENAD. É uma coisa transversal, a diferença de gênero acontece em todas as camadas sociais. E isso está muito relacionado com esse papel que a gente tem que ainda está muito definido dentro da esfera doméstica.

 

 

STIMMMEC: Outra questão é a força. Uma das questões de você não igualar homens e mulheres – não igualar, mas conceder direitos iguais ou pensar em questões iguais – é a questão da força. O homem tem esse histórico de patriarcado porque no imaginário ele é mais forte, superior. E isso dentro da categoria metalúrgica também é muito forte. O que a gente pode falar sobre isso? Como a gente desmitifica? É real? Isso realmente é uma limitação ou é só um imaginário? E me parece que quando você passa trabalho, usa de força, aí é que legitima. Parece que passar trabalho é que legitima o que você ganha ou o que você é. Tudo que vem muito fácil, coisas delicadas “de mulheres”, parece que não tem valor nenhum na sociedade. Como é que a gente desmitifica isso? E como tu vês isso no trabalho?

 

 

Cristina: De fato me parece que, na média, os homens têm maior força física que as mulheres, ainda que tenha homens mais fracos do que muitas mulheres. Mas isso não quer dizer que seria uma coisa pior, não quer dizer que um trabalho que exige mais motricidade fina, vamos dizer assim, que a mulher tem mais treinamento disso quando ainda quando criança. Isso é uma coisa que tem que mudar porque o homem também tem que ter essa motricidade. A mulher tem, ela é mais contratada em alguns segmentos da área da metalurgia, principalmente o eletroeletrônico. E se a gente for ver, existem diferenças salariais aí também. Então, na verdade, tu estás fazendo uma discriminação de hierarquias, definindo o que é trabalho para homem e trabalho para mulher, e dentro dessas hierarquias, tu defines que um trabalho é mais valorizado que o outro. Não quer dizer que porque esse trabalho não exige força física, exige mais outros tipos de habilidades, que é um trabalho superior. Parece-me que tudo que é a coisa de cuidado seja muito naturalizada para a mulher, como se isso fosse natural e não um trabalho. Como se isso não fosse uma habilidade mesmo, que é muito importante para a sociedade. Então, de fato, é uma discriminação que existe.

 

 

 STIMMMEC: E em relação ao assédio no trabalho, a gente fala muito sobre o assédio sexual, que é voltado pra mulher que é “bonita”. Quando se fala de mulher, é esse o assédio que se pensa. Mas tem o contrário, você tem uma mulher que daqui a pouco não segue aqueles padrões e ela também está sofrendo determinado assédio porque não é o assédio de você cantar ou “elogiar”, é o assédio de você desmoralizar ela porque ela não segue um padrão, porque ela é feia no imaginário das pessoas. O que as mulheres precisam saber, na tua visão, pra se impor no ambiente de trabalho e tentar quebrar com esses discursos, desconstruir esse discurso do assédio? E quais são os tipos de assédio? Além dessa questão de assédio sexual, tem o assédio moral.  O que recai sobre as mulheres neste ponto?

 

 

Cristina: O assédio está presente em todos os campos da sociedade. E em todos os níveis. O número de mulheres aprisionadas no Brasil aumentou muito. Mais de 200% e isso aconteceu principalmente porque existe uma discriminação de gênero em que elas são colocadas como as fazem o serviço de varejo. Elas são as primeiras a serem presas. E aí elas sofrem vários tipos de assédio diferentes nas prisões. Em relação ao chão de fábrica, o assédio começa dentro de casa, porque ele está definido dentro da nossa sociedade patriarcal. Então, tudo que acontece dentro de casa vai acontecer também no mercado de trabalho. E essa relação de poder que o homem tem no sistema patriarcal também é colocada no chão de fábrica. E eu acho que a melhor estratégica para as mulheres, nesse caso, é uma estratégia coletiva. É de se unir, de fazer grupos de apoio. Porque estratégias individuais também são importantes, mas elas funcionam individualmente. Então tu vais fazer uma reclamação, conversa com seu sindicato, superimportante, mas é mais importante reconhecer os problemas específicos das mulheres. É reconhecer que a companheira também sofre de problemas muito parecidos com o seu.

 

 

O homem também sofre assédio no mercado de trabalho em função dessa relação de hierarquia, de poder que existe em toda relação de capital-trabalho, mas a mulher sofre um tipo de assédio diferente porque é um assédio que está relacionado com a classe, que é a classe trabalhadora, e com gênero, que é o que está relacionado com o patriarcado. E aí a gente tem muitos casos de assédio moral que são difíceis de mensurar porque a gente não tem estatística, pelo menos eu desconheço estatística que está relacionada com isso. Mas uma coisa que alguns sindicatos estão fazendo é já disponibilizar, por exemplo, um 0800 pras mulheres entrarem em contato, sabe? E eu acho que o sindicato é a melhor forma de conseguir fazer essa intermediação. Muitas vezes as mulheres se sentem culpadas por estar sofrendo um tipo de assédio, então isso também é uma coisa que tem que ser trabalhada nesses grupos de apoio. Eu acho que é por aí, fazer grupos de apoio de mulheres pra entender seus problemas específicos.

 

 

STIMMMEC: E em relação às mudanças, uma pesquisa do próprio Dieese, feita entre 2006 e 2015, fala do perfil das mulheres. Ela apresenta esses dados que tu falaste que a jornada final da mulher é maior porque tem essas questões de casa. Têm mudanças em relação a isso? E o que melhorou? Porque a gente vê que nos últimos anos as campanhas se intensificaram, mas é uma visão muito particular, de um empoderamento muito maior. Vocês conseguem constatar isso? Através de estatísticas, houve mudanças ou a gente continua na mesma?

 

 

Cristina: Estruturalmente, as coisas permanecem muito semelhantes, sabe? As mudanças acontecem, só que elas sempre vão ser parciais porque tudo está muito vinculado à questão dos trabalhos domésticos, de quanto isso pesa e a questão do patriarcado. E também pelo fato da mulher não conseguir se inserir dentro de posições de poder. Ela é impedida de fazer isso, é uma violência que a gente sofre, né? E a gente sofre várias violências ao longo da nossa vida. Daria para citar milhares.

 

 

Teve algumas mudanças recentes, se a gente for falar de 2016/2017, que é o último perfil, só que elas tão muito vinculadas à conjuntura de crise econômica que a gente está vivendo. Então, por exemplo, o que a gente teve: um aumento no desemprego muito grande. E as mulheres são mais penalizadas com o desemprego. Por que as mulheres estão mais desempregas? O indicador de desemprego da mulher é historicamente maior que o do homem porque o trabalho da mulher ainda é visto como subsidiário e ela ainda está inserida em segmentos com menores remunerações, vinculados aos setores de serviços. A gente teve, nesses últimos anos, mudanças. Se a gente for pensar em uma trajetória grande, tivemos mais inserção de mulheres no mercado de trabalho e mais inserção de mulheres metalúrgicas no setor metalúrgico, porque as mulheres estão se preparando mais, tem maior escolaridade. Elas conseguem chegar a cargos com maiores remunerações, mas ao mesmo tempo – isso de um polo – no outro polo, que é o polo menos valorizado, são as mulheres que recebem menos e são as primeiras a serem demitidas.

 

 

Elas são as primeiras a serem demitidas e elas também têm mais dificuldade de se reinserir no mercado de trabalho porque elas são preteridas em relação aos homens. E isso em relação às mulheres metalúrgicas é ainda mais complicado porque elas, ao longo da vida, vão se especializando no setor, só que é um setor que ainda é majoritariamente masculino. 80% da categoria é masculina. E tem toda essa questão de priorizar a força física e que as mulheres também têm, só que parece que a gente tem que provar que tem. A gente tem que estar sempre provando que a gente é capaz, isso em todos os espaços.

 

 

STIMMMEC: Qual é o perfil dessas mulheres hoje, das mulheres metalúrgicas ou do mercado como um todo? Qual é o perfil da mulher?

 

 

Cristina: Sempre que a gente vai falar de mudanças, elas acontecem ao longo de vários anos. Então a gente tem que pegar uma série histórica bem grande para ver que ocorreram mudanças. Elas, de fato, ocorreram. A gente tem mulheres se inserindo em polos de trabalho mais valorizados, que são mulheres que conseguiram investir em educação, fazer o ensino superior, então elas vão conseguir se inserir. E, por outro lado, a gente tem o polo oposto, que são as mulheres que estão em postos de trabalho bem menos valorizados. Têm algumas teóricas que estudam sobre a mulher no mercado de trabalho que chamam isso de “bipolaridade do trabalho feminino”. Tu tens essa inserção da mulher em posto de trabalho valorizado, mas ao mesmo tempo, a continuidade. E tem um nome pra isso também que chama chão pegajoso, esse chão que segura as mulheres nesses lugares. E o outro polo, que mesmo que as mulheres tenham se escolarizado, tem o teto de vidro que a gente não consegue se inserir nos mesmos lugares. E mudou o perfil também dessas mulheres que estão no polo mais baixo nos últimos 10 anos porque elas estavam inseridas principalmente em trabalhos voltados para o emprego doméstico. Eu estudo emprego doméstico. Fiz minha dissertação sobre emprego doméstico. Então se a gente for ver, nos anos 2000 até 2013, a gente teve uma saída das mulheres do emprego doméstico. Elas vão se inserir no setor de serviço porque a gente teve muita oferta de empregos novos, principalmente no setor de serviços.

 

 

Essas mulheres vão migrar para lá. Tem uma mudança profunda aí nesses trabalhos menos valorizados porque o emprego doméstico está marcado por questões de raça, por questões da nossa estrutura de escravocrata que a gente ainda não conseguiu superar. Houve uma mudança profunda, só que como a gente está vivendo uma conjuntura de crise, agora em 2014, que atingiu fortemente o mercado de trabalho, essas mulheres estão se reinserindo no emprego doméstico. A gente teve, em 2016/2017, uma elevação dos postos de trabalho, só que postos de trabalho como esses, emprego doméstico, emprego precário. E se a gente for ver do outro lado, que são as mulheres com maior escolaridade, aí sim, a gente vai ter uma maior emancipação feminina, elas tão inseridas nesses lugares, elas têm maior escolaridade inclusive que homens, mas a diferença continua sendo 36% de diferença salarial. E não conseguindo chegar a esses lugares de poder, que são lugares de liderança, ou aquelas que conseguem, elas têm uma rede de outras mulheres que tão cuidando delas também, que tão cuidando dos trabalhos domésticos, porque não teve uma inserção masculina nas tarefas de cuidado. A gente não vai conseguir chegar se o homem não diminuir, o homem não chegar a assumir essas tarefas.

 

 

STIMMMEC: A gente falou muito na questão da escolaridade e você falou agora “pô, bacana, daqui a pouco eu tenho essa visão por ter escolaridade”. Então parece que está todo mundo se empoderando, mas tem esse pessoal, que são as serviçais, que faziam serviço doméstico e subiram, mas depois voltaram para lá. Tu achas que a luta, em si, do feminismo, tem isso como uma divisão? Daqui a pouco a luta das mulheres está se dando com as mulheres que são escolarizadas. Quem está lutando é quem tem o mínimo de instrução e esse pessoal que não tem, que é precário, não tá tendo acesso a essa luta, não está sendo visto por essa luta. Você tem essa visão? E aí eu queria que tu englobasses alguma mensagem no final, enfim, se quiser também colocar alguma coisa sobre o março, o mês das mulheres.

 

 

Cristina: A luta feminista é anterior ao Socialismo, então ela é uma luta que vem pela igualdade de gênero. E assim, claro que existem diversas correntes dentro do feminismo, existe as feministas que a gente chama de liberais, que talvez não enxerguem tanto o espaço de classe dentro dessa luta. Mas o feminismo prioriza pela igualdade. Ele tem esse viés. Ele precisa ter esse viés para ser feminista também. E a gente tem, nos últimos anos, ganhado mais força, o feminismo de minorias como a questão das feministas negras, que está ganhando muita força, está exigindo seus espaços. Então ele é um movimento que é plural, é um movimento humanitário que visa a igualdade. E a igualdade entre homens e mulheres para também os homens se libertarem disso. Claro que existe um conflito aí, que as mulheres, em países com menor nível de desenvolvimento, como o Brasil, por exemplo, vai ter essa inserção maciça das mulheres de classe média no mercado de trabalho, e elas só conseguiram se inserir com as empregadas domésticas assumindo esse papel dentro das suas casas e continuam assumindo, então, existe um conflito aí porque elas são as patroas.

 

 

Para atualmente, na conjuntura atual, eu acredito assim que a grande preocupação que a gente tem que ter é essa. A diminuição do Estado, do ajuste que o Estado está tendo, dessas reformas, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, o novo regime fiscal que congela os gastos primários por 20 anos, isso vai cair principalmente sobre as camadas populacionais mais marginalizadas, que são as mulheres, que são as mulheres negras, que são as mulheres pobres. E com a diminuição do Estado, a gente não tem nem serviços públicos suficientes para atender toda a população, imagina 20 anos com os mesmos gastos, com os gastos congelados. A gente não tem nem suficientemente onde deixar nossos filhos na creche, a gente não tem escola de tempo integral. Isso não é uma luta só das mulheres, é uma luta de todas as pessoas, de toda a sociedade. Como é que a gente quer pensar a sociedade do futuro se a gente não consegue nem cuidar das nossas crianças.

 

 

E outra coisa que é fundamental também, dentro do movimento feminista, que talvez seja meio polêmico para colocar, mas é a questão da autonomia sobre nossos corpos, a gente tem que ter o direito a fazer o aborto quando a gente quer e que ele tenha todo o aparato do Sistema Único de Saúde, porque o aborto no Brasil é uma das principais questões de saúde pública.  As mulheres abortam em todas as classes, em todos níveis educacionais, isso é uma questão muito importante. Que nesse dia 8 de março, todas as mulheres se unam e os homens sejam solidários a essa luta, que estejam juntos também, mas que esse protagonismo seja nosso porque a gente tem muitas desigualdades, a gente tem uma luta muito grande aí pra chegar.

 

 

Fonte: STIMMMEC

Fontes:

Publicado em:08/03/2018

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