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#Destaques | 11/03/2019

 

As primeiras leituras da recém-editada Medida Provisória 873, sobre financiamento de entidades sindicais, permitem ao titular da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis, do Ministério Público do Trabalho), o procurador João Hilário Valentim, identificar novos efeitos drásticos no sistema, possíveis ataques à liberdade – coletiva e individual – e uma contradição à própria lógica da “reforma” trabalhista, que pregava plena negociação. Para ele, em um momento já delicado do país, a MP vai no sentido contrário ao do diálogo social e pode apontar um caminho de “caos” jurídico, mas também social.

 

“O sustentáculo das relações de trabalho precisa de um escoadouro para suas tensões, e esse escoadouro são os sindicatos”, pondera Valentim, que vê falta de “bom senso” na proposta governamental, ainda mais depois da Lei 13.467, de “reforma” trabalhista, “que já desestruturou as entidades sindicais”. Assim, uma situação que já era ruim se torna “gravíssima”, diz o procurador. A MP, diz, parece “vir ao sabor de outros interesses que não a relação de trabalho”.

 

“Um governo que em tese parece concordar com a liberdade de negociação vem agora com uma medida provisória cuja urgência e necessidade é questionável”, critica o coordenador de Liberdade Sindical do MPT, para quem a MP acaba, de certa forma, com o direito de oposição. Trata-se do direito que um trabalhador tem de se opor ao desconto de uma contribuição, conforme alguns prazos e regras. Atualmente, isso já ocorre em um contexto de restrição, por parte dos empregadores, à liberdade de sindicalização.

 

“Nós já convivemos num país que não tem muita democracia – e democracia sindical”, diz o procurador. “Não é raro a empresa fazer uma lista para os empregados assinarem, fazer ela mesma a carta (de oposição) e levar os empregados ao sindicato. As empresas não querem um ambiente em que você pode conviver com a adversidade, que é o ambiente normal de uma sociedade democrática”, afirma, destacando o papel de interlocutor desempenhado, inclusive constitucionalmente, pelas entidades que representam os trabalhadores, na busca de solução para conflitos. “O sindicato é o veículo que comporta essa possibilidade de composição.”

 

Custo desnecessário

 

Mas a MP 873 provoca “efeito muito drástico no sistema de arrecadação, impõe restrições severíssimas à forma como os sindicatos têm recebido a contribuição”, avalia o procurador. Com a medida, o governo determina pagamento via boleto, vetando desconto em folha de pagamento, como normalmente ocorre. “Numa situação em que o sindicato já está com as finanças combalidas, você tem a imposição de um custo desnecessário. Esse ônus parece traduzir um elemento de dificultar para que o empregado possa concordar com o desconto.”

 

No caso da mensalidade sindical, por exemplo, o empregador já recebe uma autorização “expressa e individual” do funcionário para efetuar o desconto. “Quando você inclui um custo, pode estar maculando a própria liberdade individual do empregado”, diz Valentim. O representante do MPT vê ainda uma possível ofensiva ao princípio da igualdade, ou isonomia de tratamento, já que existem outras modalidades comuns de desconto em folha, como empréstimos financeiros, convênios e planos médicos.

 

A aprovação da Lei 13.467, em novembro de 2017, levou a uma mudança de entendimento do Ministério Público – expresso em duas normas técnicas – em relação ao desconto de contribuições, no sentido de valorizar as deliberações em assembleias gerais. Para o MPT, lembra o procurador, a assembleia é “instância competente para deliberar sobre o custeio do sindicato”, e a autorização para desconto pode ser aprovada nessa instância. Pode, inclusive, decidir que a contribuição seja válida para toda a categoria, não só para sócios, desde que respeitado o direito de oposição. “Assim a gente equaliza o direito coletivo, de organização dos trabalhadores, com a liberdade sindical individual, que também está na Constituição.”

 

O entendimento difere do Precedente Normativo 119, do Tribunal Superior do Trabalho, pelo qual o desconto só pode atingir os sindicalizados. A mudança teria sido provocada por “excessos” de algumas entidades. “Já foi uma interpretação restritiva da Justiça do Trabalho. Só que tinha muito sindicato sério que acabou sendo prejudicado por essa regra. Esse dispositivo do precedente normativo a gente tem entendido que regulamenta uma realidade anterior à reforma trabalhista, por conta do fim da compulsoriedade da contribuição sindical”, argumenta o coordenador.

 

Sem dinheiro para as contas

 

Até a lei de 2017, a contribuição, também chamada de imposto sindical, era descontada compulsoriamente de todos os trabalhadores, em março, equivalendo a um dia de trabalho. Com a “reforma”, passou a ser facultativa, dependendo da concordância do empregado, o que causou queda significativa no orçamento das entidades, algo que chegou a até 90%, de um dia para o outro, sem transição. Muitas entidades passaram a aprovar contribuições em assembleias, com desconto em folha para toda a base, o que agora foi vetado pela MP. “Uma situação gravosa virou gravíssima”, diz Valentim, para quem alguns sindicatos “no mês que vem não terão dinheiro para pagar suas contas”.

 

“O que vai dar sustentáculo à atuação dos sindicatos é, primeiramente, a participação do trabalhador”, observa o procurador, destacando a importância da contribuição para manutenção das entidades. Mas muitos trabalhadores “têm uma visão particularizada do mundo” e não concordam com essa visão, embora também recebam os benefícios proporcionados pelas convenções e acordos coletivos negociados pelos sindicatos. Isso levou à tese, defendida por alguns sindicalistas, de quem os acordos deveriam ser válidos apenas para os sócios.

 

O titular da Conalis diz expressar uma “posição pessoal” ao afirmar que esse tese “joga contra os próprios trabalhadores” e não deveria avançar. “Nada impede que uma empresa possa estender os benefícios da convenção coletiva para os não associados. A empresa também pode começar a não contratar ou dispensar sindicalizados. E, da mesma forma como o sindicato obreiro diz que o instrumento normativo só vale para sócios, as empresas não associadas ao sindicato patronal também poderiam se ver desobrigadas de aplicar a convenção coletiva.” Mas dentro dessa perspectiva de que “o sindicato negocia para todo mundo e a convenção vale para todo mundo”, nada impediria, na visão do procurador, por exemplo, que as entidades fizessem distinção entre serviços prestados a associados e a não associados.

 

A MP traz ainda outro problema, ao tornar nula qualquer cláusula que torne compulsório o desconto sem ser via boleto, ainda que referendada por negociação coletiva ou assembleia geral. Para o procurador, isso ofende o princípio da liberdade sindical e da negociação coletiva, além da própria “reforma” trabalhista, que permitiu ao negociado prevalecer sobre o legislado. Ofende também a Constituição: “Lei não produz efeito retroativo e deve respeitar o ato jurídico perfeito. Só poderia produzir efeito daqui para a frente”.

 

Duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) questionando partes da MP já chegaram ao Supremo Tribunal Federal: uma da Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) e outra da Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes) e do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Federal (Sind-Proifes). As ADIs 6.092 e 6.093 têm como relator o ministro Luiz Fux.

 

Fonte: Vitor Nuzzi – Rede Brasil Atual

Fontes:

Publicado em:11/03/2019

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