#Destaques | 10/01/2019
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista recente, cogitou uma medida drástica para a estrutura judicial brasileira: o fim da Justiça do Trabalho. Sem detalhar a proposta, o presidente e parte de seus apoiadores apresentam uma série de argumentos a favor da medida: o ramo trabalhista do Poder Judiciário seria lento e causaria insegurança jurídica por conta das diversas posições que há em seu interior. Ainda segundo Bolsonaro, a Justiça do Trabalho seria uma exclusividade do Brasil.
Além de desmentir este último argumento, juristas que atuam na área apontam que, caso a Justiça do Trabalho fosse extinta, alguns dos fatores citados por Bolsonaro não seriam eliminados, ao contrário, se intensificariam.
Carlos Eduardo de Oliveira, juiz do Trabalho em Campinas (SP), afirma que a sugestão contraria a tendência de especialização do Judiciário, ou seja, de que cada magistrado se dedique a áreas específicas do Direito, o que permite maior conhecimento e eficiência nos julgamentos.
“Acabar com a Justiça do Trabalho soa como uma tolice. Isso não acaba com os processos trabalhistas nem com os conflitos trabalhistas. Nos países em que não há Justiça do Trabalho, existem ações trabalhistas”, argumenta.
Caso as varas do trabalho sejam fundidas com as varas cíveis da Justiça comum, Oliveira prevê um “caos na administração da Justiça e na questão jurisprudencial”. Ele cita o fato de que entre os ramos do Judiciário, o trabalhista, na verdade, é o mais célere: enquanto sete entre dez (70%) processos cíveis demoram mais de um ano para serem julgados, na Justiça do Trabalho apenas quatro (40%) atingem esse patamar. Fundir as áreas significaria, portanto, ainda mais lentidão.
De outro lado, os processos já existentes, em caso de fusão, seriam distribuídos também a juízes sem experiência em casos trabalhistas. A pluralidade e divergências de opinião, diz o magistrado, aumentaria, crescendo também a insegurança jurídica.
Alessandra Camarano Martins, presidenta da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), afirma que a diversidade de interpretações no interior da Justiça Trabalhista é similar a de outros ramos do Judiciário. O maior fator de instabilidade recente, segundo ela, vem da própria Reforma Trabalhista, aprovada durante o governo golpista de Michel Temer (MDB), já que é repleta de “ilegalidades, inconstitucionalidades e contradições internas” que demandam interpretação dos tribunais.
“É a lei [da Reforma Trabalhista] que causa [insegurança], não a Justiça do Trabalho. Ela está aí justamente para fazer a acomodação e garantir o equilíbrio entre capital e trabalho”, explica a advogada.
Ela ainda rebate o argumento da excepcionalidade brasileira: “É uma inverdade. O Brasil não é o único país do mundo a ter Justiça do Trabalho especializada”, mencionando países latino-americanos, europeus, os EUA e a Nova Zelândia, que tem uma ramo especializado desde o século 19. Martins ainda lembra que anualmente a Justiça do Trabalho recupera ativos para a União, como verbas trabalhistas, imposto de renda e pagamentos à Previdência não realizados por patrões.
Segundo Martins, na verdade, é a atuação de empregadores o que não permite que a Justiça do Trabalho seja ainda mais veloz. Diversas empresas, diz Martins, adiam ao máximo o cumprimento de sentenças. Os maiores exemplos são empresas terceirizadoras que desaparecem do mercado sem pagar verbas rescisórias aos seus funcionários.
Uma outra crítica ao posicionamento de Bolsonaro sobre o assunto é o fato de que o Brasil é signatário da Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, formulada na Organização dos Estados Americanos (OEA), que estipula em seu artigo 36 a obrigação dos Estados nacionais de ter juízos especializados nas questões trabalhistas.
Thiago Duarte, presidente da Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais da Justiça do Trabalho da Segunda Região e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, explica que a proposta de Bolsonaro tem fundo ideológico, de “ataque aos direitos sociais”.
“Ele quer tirar da Justiça do Trabalho porque ele sabe que o princípio da Justiça comum é o das duas partes iguais. Na Justiça Trabalhista, há [o reconhecimento de] uma relação de hipossuficiência, onde o trabalhador é considerado um sujeito com menores condições e menos força que o empregador”, diz.
Caso Bolsonaro leve a cabo sua intenção de extinguir a Justiça do Trabalho, seria necessária uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que precisa da aprovação do Congresso. Por se tratar de uma mudança na estrutura do Poder Judiciário, a medida também dependeria da aprovação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Mauro Ramos – Brasil de Fato