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#Destaques | 09/02/2017

Foto previdenica

Debate sobre reforma da Previdência, na Fecosul. Foto / Guilherme Santos/Sul21

 

 

O discurso de que a Previdência Social é um peso para as contas do país não é de hoje, nem começou com o governo Michel Temer. Em maio de 1998, ano que disputava a reeleição, Fernando Henrique Cardoso explicava que havia conduzido uma reforma da Previdência para “aqueles que se locupletam (…) não se locupletem mais” e chamou de “vagabundos” quem se aposentava com menos de 50 anos. Dizer que a Previdência está quebrada é algo repetido há tanto tempo que, no Brasil, virou uma certeza.

 

 

 

Mas existe mesmo o déficit da Previdência? Para especialistas que se reuniram em um debate realizado na sede da Fecosul (Federação dos Empregados de Bens e Comércios do RS), ele não é real. Ao contrário do que se diz, a Previdência seria na verdade superavitária.

 

 

 

“A previdência não tem déficit. O que está provocando essa piora nas contas foram as políticas econômicas que foram adotadas em 2015 e continuam sendo realizadas pelo governo atual. Ou seja, o Brasil está em recessão e isso vai provocar uma diminuição na arrecadação. Não é que está se gastando mais. É que está se arrecadando menos”, explica o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Ricardo Franzoi.

 

 

 

Segundo ele, a confusão acontece pelos números que se escolhe incluir na equação. O déficit de R$ 85 bilhões, registrado em 2015, leva em conta apenas os valores de arrecadação e pagamento. Com a população brasileira envelhecendo, a taxa de desemprego em alta, muitos trabalhadores partindo para a informalidade, a entrada de dinheiro no caixa realmente caiu. Porém, conforme a Constituição Federal prevê, a Previdência Social conta ainda com um fundo complementado por diversos impostos. Se a conta total incluí-lo, no ano de 2015, mesmo com o déficit de R$ 85 milhões, a Previdência registrou superávit de R$ 11 milhões.

 

 

 

Enquanto se discute se o déficit é real ou não, em dezembro, o presidente Michel Temer anunciou sua proposta de reforma para o sistema. Entre as medidas anunciadas, as novas regras fixam idade mínima de aposentadoria para homens e mulheres em 65 anos; contribuição comprovada por 49 anos para recebimento da aposentadoria integral; tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Hoje com 76 anos, Temer se aposentou aos 55, como procurador do Estado, em São Paulo, e recebe em média R$ 30 mil. Cerca de 15 vezes mais que um trabalhador médio aposentado pelo INSS, que tem salário médio de R$ 1.862.

 

 

 

Além das mudanças que impactam trabalhadores dos setores público e privado, o discurso que vem sendo empreendido em torno da Previdência Social também gera efeitos na arrecadação. “Esse discurso catastrófico que o governo vem fazendo está provocando uma reação, talvez a pior possível para um sistema previdenciário, que é o abandono do sistema. As pessoas que estão na regra de transição – mulher com mais de 45 e homens com mais de 50 – provavelmente ainda vão se manter dentro do sistema. Quem está com 20 anos, muito vão dizer, ‘ah, eu não vou pagar’. Muitos vão partir para a Previdência privada, só que ela não tem garantia de salário mínimo, se o banco quebrar, azar. Se a rentabilidade for menor do que o prometido, não tem garantia nenhuma. As pessoas estão trocando, iludidas por uma propaganda”, alerta a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Berwanger.

 

 

 

Só no ano passado, antes ainda que a Proposta de Emenda à Constituição de Temer chegasse ao Congresso Nacional, a previdência privada no país havia registrado um crescimento de 22%. Os especialistas projetam um cenário pessimista com os efeitos de uma deserção à Previdência pública.

 

 

 

 

População desassistida e empobrecimento

 

A Previdência Social ainda é um dos retornos mais importantes que o Estado concede aos cidadãos. Ao contrário de países que optaram por uma Previdência menor, mas cobrando menos da sociedade, no Brasil, a tributação é elevada para um retorno insuficiente de serviços públicos. Com o discurso de uma Previdência quebrada ou de quase 5 décadas de contribuição para ter acesso aos direitos, em um país onde 12 milhões de pessoas estão desempregadas, a tradução será o esvaziamento da Previdência.

 

 

 

A advogada lembra que o Brasil não registrou nenhuma epidemia de doenças ou mortes, nem aposentadorias em um ritmo significativo o bastante para desequilibrar as contas. “O que desequilibrou foram as entradas, não as saídas. Esse é o ponto essencial, chave, que é a economia. O problema não é a Previdência, é a economia”, diz ela.

 

 

 

“No caso contribuição previdenciária vai acabar ficando bastante restrita, só para as pessoas que terão descontado na fonte. As demais não vão pagar, da forma que está se encaminhando. Você vai ter praticamente um imposto para algumas pessoas e não para outras. A expectativa da pessoa de se aposentar, aos 65, que poderá aumentar, já que a idade pode aumentar quando aumentar a expectativa de sobrevida, daqui a pouco vai ser 66, 67, 70. A pessoa vai contribuir uma vida inteira pra não se aposentar ou ganhar 3 ou 4 anos de aposentadoria?”, questiona Jane Berwanger.

 

 

 

Para Franzoi, se todas as mudanças previstas na reforma se concretizarem, o Estado vai deixar de prover seguridade social. Ainda que consiga equilibrar as contas financeiramente, o Estado social vai quebrar.

 

 

 

“Uma parte da população vai ficar de fora, desassistida, ter que buscar outros meios. O governo quer isso. Só que a maior parte que vai ficar de fora é a população pobre, não é quem tem recursos, que pode fazer outro investimento. Se aprovar isso, vamos ser um país de desaposentados. Só vai sobrar quem se aposentou agora, depois não vai ter mais aposentados”, analisa Ricardo Franzoi.

 

 

 

Impacto nas pequenas cidades e no campo

 

Atualmente, a Previdência Social no Brasil é também uma forma de distribuição de renda. Não importa qual a arrecadação de um estado ou sua produção, aposentadorias são pagas de maneira igual em todo o país. Assim, no norte e nordeste, trabalhadores que sofrem com problemas de seca, ainda tem garantia de um salário mínimo para se manter. As mudanças previstas para a aposentadoria rural na reforma, no entanto, podem mudar este cenário. Com os valores que passam a ser exigidos para contribuição, em muitas famílias que vivem da agricultura familiar, só será possível pagar a colaboração para um integrante.

 

 

 

“Um olhar um pouco mais radical sobre essa reforma, nas regiões norte e nordeste, se pegar um mapa do Brasil pode fazer um risco onde tem Brasília, e pode dizer tranquilamente que lá para cima não vai mais ter aposentadoria rural, porque eles não têm condições de fazer mais contribuição individual, não vai ter aposentadoria urbana porque eles não têm média 25 anos de contribuição ao longo da vida e não vai ter benefício assistencial porque eles não vivem até os 70 anos. Então, realmente, será um empobrecimento da população e será uma redução drástica da Previdência Social”, afirma Jane.

 

 

 

Outras mudanças para trabalhadores do campo incluem a previsão de fim da aposentadoria híbrida – ou seja, que combina contribuição na previdência urbana e rural. Na prática, isso pode dificultar a permanência de famílias no campo. O presidente da Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), no RS, Guiomar Vidor, afirma que as reformas que atingem a previdência rural podem “quebrar” a economia de muitos municípios pequenos. “Se a gente analisar ela pega muitas cidades pequenas, a maior fonte de renda do município são as aposentadorias. Se você acabar com a aposentadoria, você acabará com a forma de desenvolvimento rural, setorial, você vai provocar mais crise ainda, mais desemprego”, diz ele.

 

 

 

A CTB já planeja um calendário para este mês e os próximos tentando levar o debate a municípios pequenos do Rio Grande do Sul, além de uma audiência com deputados federais e senadores gaúchos, no Teatro Dante Barone sobre o impacto da aprovação da reforma para o estado.

 

 

 

Previdência privada tem fator de risco

 

Jane Berwanger defendeu que a Previdência privada não pode ser vista como “um pecado”. “Não é o fim do mundo, não é um pecado, mas não atende boa parte da população. Ela não garante nem o salário mínimo. E se quebrar o banco?”, disse ela durante sua fala.

 

 

 

Os casos de fundos de Previdência privada que quebraram, pessoas que nunca receberam pelo que pagaram, não são raros. Nos anos 1960, várias caixas de fundos de previdência privada foram criadas no país e muitas acabaram falindo. “Os mais velhos no Brasil sabem. Pais e avós aplicaram em previdência privada, que era de complementação, como a Montepio da família militar, quebrou. As pessoas aplicaram dinheiro e sumiu”, lembra Franzoi.

 

 

 

Ele cita ainda o exemplo do Chile. Depois de uma série de grupos de previdência privada terem problemas para cumprir pagamentos, o governo chileno teve assumir os pagamentos de aposentadorias para trabalhadores que, teoricamente, nunca contribuíram. Os pagamentos, recebidos por eles giram em torno de 40 a 60% daquilo que teriam direito na Previdência pública. “Moral da história: no final, estoura de novo no Estado”, diz Berwanger.

 

 

 

Para a advogada, com o governo direcionando cortes aos benefícios, sem olhar para a receita, a tendência é que a arrecadação diminua ainda mais. “Daqui a 10 anos, vai chegar o governo e dizer que precisa fazer uma nova reforma porque não vai ter dinheiro”, avalia ela. O cenário previsto pela advogada é de uma “redução drástica” no número de pessoas protegidas pela Previdência.

 

 

 

“Nem na época do Fernando Henrique foi tão mentiroso, do tipo dizer ‘a Previdência vai acabar’. Como assim vai acabar? O Estado vai acabar? Me parece que o bicho está sendo pintado muito feio para as pessoas dizerem que concordam com a reforma”, afirma ela.

 

 

Fonte: Fernanda Canofre – Sul21

 

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Publicado em:09/02/2017

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