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#Notícias | 25/06/2015

A discussão sobre mecanismos de aplicação de impostos e de combate à sonegação está longe de ser um assunto meramente técnico sobre gestão fiscal. O tema é, antes de tudo, um assunto político, diz respeito a todos os poderes e, sobretudo, a toda a sociedade, que é quem vai pagar e terá de ser atendida pelos serviços públicos financiados com os recursos arrecadados. E o auditor fiscal da Receita Paulo Gil Intrioni vai mais longe. Para ele, o assunto não interessa à elite e seus porta-voazes nos meios de comunicação: “A classe dominante é competente em convencer a sociedade a manter esse quadro de injustiça e iniquidade”, afirmou Intrioni, ex-presidente do sindicato nacional de sua categoria, o Sindifisco Nacional.

 

E segundo o diretor de Assuntos Institucionais do Instituto de Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, a mudança do sistema tributário não se dará facilmente por meio do Parlamento, uma vez que o poder econômico é determinante na composição do Legislativo, o que explica, inclusive, o interesse desses setores na manutenção do financiamento privado de campanhas eleitorais. “Os parlamentares são eleitos por quem financia, e não por quem vota. No caso do nosso sistema tributário, todo o poder não emana do povo, emana do lucro”, disse.

 

Ambos participaram nos debates desta tarde do seminário Qual Reforma Tributária o Brasil Precisa?, promovido hoje (25) pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo. Na opinião de Intrioni, a isenção de impostos sobre lucros e dividendos pagos a sócios e acionistas de empresas é questão essencial no contraditório sistema tributário. “Se tivesse uma bala de prata, a primeira medida seria revogar essa isenção, inclusive sobre remessa de lucros ao exterior”, afirma o auditor. “O que as manifestações de 2013 reivindicavam (transporte, saúde e serviços públicos de qualidade) deveriam ser financiados por um sistema tributário justo.”

 

Nem seria preciso mexer muito na Constituição para se conseguir mudanças significativas, na opinião da também auditora Clair Hickmann, que dirigiu a Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf) da Receita Federal. O problema, como ela assinala, é que vários princípios não respeitados. “Uma reforma infraconstitucional poderia ser capaz de trazer justiça em vários aspectos. Por exemplo, o princípio da progressividade, que pode fazer o tributo ser um instrumento de distribuição de renda. Progressividade significa isso: quanto maior renda, maior alíquota”, disse, no mesmo evento, para depois citar outra medida que apontaria para a progressividade: “Todos os rendimentos de capital têm que ser levados a uma tabela progressiva”, defendeu, reiterando os argumentos dos colegas.

 

O auditor Pedro Onofre Fernandes, dirigente do Sindifisco Nacional, lembrou que a reforma tributária silenciosa feita nos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, isentou a remessa de lucros ao exterior e os lucros para sócios e acionistas, a extinção de punibilidade para contribuintes que quitarem dívidas, entre outras medidas que foram na contramão de um sistema mais justo e distributivo. “São alguns exemplos de sucesso das elites na realização de sua reforma tributária de acordo com seus interesses.”

 

Ao falar sobre o quesito sonegação, o delegado da Polícia Federal Tacio Muzzi observou que supostos ou potenciais sonegadores acabam encontrando respaldo na própria legislação: “O pagamento integral extingue a punibilidade”. Enquanto não forem extintos todos os recursos na esfera administrativa, o sonegador ou suposto sonegador não pode ser processado criminalmente. “É essencial alterar a questão da extinção da punibilidade, para que sejam punidos não só com multas pesadas mas também com pena privativa de liberdade”, disse Muzzi.

 

O economista João Sicsú, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a cartilhaUma Reforma Tributária para Melhorar a Vida do Trabalhador, elaborada por ele, com ilustrações do também professor Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC, está estruturada de maneira a mostrar didaticamente as injustiças e o fato de que quem paga imposto no país é o trabalhador, enquanto os que desembolsam pouco ou muito pouco são as empresas e a parcela mais rica da sociedade. “A renda chamada de lucro é absolutamente isenta.”

 

Sicsú destacou que a cartilha ressalta a necessidade de se reformular o imposto sobre herança. “Os outros países capitalistas admitem essa cobrança, aqui no Brasil não.” As empresas multinacionais remeteram ao exterior US$ 52,3 bilhões em 2013 e 2014. Esse valor assombroso não se reverte esse recursos para criar renda e emprego internamente nem para melhoria dos serviços públicos. E segundo ele, o caminho escolhido atualmente pela equipe econômica, de basear o dito “ajuste” meramente em cortes de gastos, sem introduzir a preocupação com melhorar a arrecadação, vai levar a um retrocesso. “A justiça tributária é a principal fonte de financiamento do desenvolvimento.”

 

A presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, entidade organizadora do seminário e responsável pela cartilha, considera as iniciativas um passo importantes para que as pessoas entendem melhor as contradições do sistema tributário e possam cobrar as mudanças: “É preciso saber o que é carga tributária, o que é para ser cobrado de cada esfera de poder, da cidade do estado e da União, e o que é possível e necessário efetivamente ser feito para corrigir as injustiças”, afirmou.

 

 

Da cartilha: Imposto de Renda

Imposto de Renda, teoricamente, seria um tributo justo e progressivo. O problema é a legislação brasileira não ajuda. Desde 2009, a tabela do IR para pessoa física no Brasil quatro faixas de alíquotas, de 7,5% a 27,5%.

Tal divisão faz com que a maior alíquota, de 27,5%, seja a mesma tanto para os contribuintes que ganham R$ 5 mil por mês como para os que recebem R$ 100 mil, por exemplo. A criação de novas faixas para as altas rendas e para os ricos é reivindicação antiga de diversas categorias de trabalhadores, pois poderia aumentar o número de pessoas de baixa renda que poderia ser isentar.

Nos Estados Unidos, por exemplo, quem ganha mais de US$ 400 mil por ano é tributado em 39,6%. No país considerado exemplo de eficiência por muita gente, a soma dos impostos coletados sobre as rendas e o patrimônio é superior a 50% do total. Na Inglaterra, a alíquota de quem ganha mais chega a 45%. Em Portugal, 48% e, na Holanda, 52%. No Brasil, os impostos sobre as rendas representam menos de 20% da arrecadação tributária.

Outro problema do IR é que essa tabela de alíquotas é corrigida abaixo da inflação, o que provoca no ganho real dos salários. O cálculo é simples. Se a tabela de imposto de renda é corrigida abaixo da inflação, na prática o trabalhador paga mais IR.

Alimentos e lucro

 

Um levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que a alíquota média sobre alimentos no Brasil é de 17%. Nos maiores países da União Europeia é 5%. Na Inglaterra é zero. Em 34 estados americanos também não há tributo sobre os alimentos.

A tributação de alguns produtos consumidos na mesa dos brasileiros é a seguinte: frango, 16,80%; peixes, 21,77%; fubá, 25,28%; café, 19,98%; frutas, 21,78%; feijão, 17,24%. Essa elevada tributação sobre os alimentos “é em grande medida proveniente” do ICMS, que representa cerca de 20% de toda a carga tributária brasileira”, diz a cartilha. “Quanto menor a renda de uma família, mais ela gasta, em termos proporcionais, em alimentos.”

Os lucros e dividendos, por sua vez, têm tratamento contrário no sistema brasileiro. No governo Fernando Henrique Cardoso, houve uma desoneração de contribuintes por meio da Lei 9.249/1995. Em seu artigo 10, esta lei prevê a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos a pessoas físicas.

Outra herança do governo tucano foi a isenção de IR na remessa de lucros e dividendos das empresas estrangeiras ao exterior. Segundo Nota Técnica do Dieese, as remessas somaram US$ 171,3 bilhões nos últimos oito anos e atingiram US$ 23,8 bilhões em 2013. Em 2014, as remessas aumentaram para US$ 26,5 bilhões.

 

 

 

por Eduardo Maretti, da RBA

Fontes:

Publicado em:25/06/2015

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