#Destaques | 01/08/2016
No contexto da crise, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou uma “Agenda para o Brasil sair da crise 2016-2018”. Nossa proposta é analisar criticamente pontos específicos dessa Agenda, uma vez que “é preciso repensar o Estado sem ser um neoliberal”.
Pautada pela ideologia neoliberal, a agenda da CNI pode ser resumida em quatro frentes: i) retirada de direitos sociais e garantias fundamentais; ii) corte de gastos públicos correntes com políticas sociais; iii) impactos na arrecadação federal (compensação de créditos entre tributos federais) e estadual (convalidação do ICMS); e, iv) privatização do Estado brasileiro.
Na sua essência, as propostas da CNI para a crise 2016-18 são: i) conter o déficit fiscal pelo controle do gasto, desvincular receitas e rever despesas; ii) terceirização e negociações coletivas; iii) ampliar o prazo de recolhimentos de tributos; iv) acelerar o processo de concessões ao setor privado na infraestrutura; v) sustar ou alterar a NR nº 12 do Ministério do Trabalho que estabelece medidas de segurança e higiene do trabalho; e, vi) permitir a compensação de créditos entre tributos federais e convalidar os incentivos fiscais do ICMS.
Destacam-se ainda a proposta antissocial de reformar a Previdência, com, por exemplo, a desvinculação do valor dos benefícios previdenciários do salário mínimo. Do conjunto de propostas, digamos que a única “social progressista” é priorizar as exportações como motor do crescimento, embora o motor do crescimento seja a economia doméstica.
Tratamos aqui de analisar pontos específicos da proposta da CNI. A primeira delas pretende desvincular os recursos constitucionalmente garantidos pela Constituição de 1988 para saúde, educação e previdência. A vinculação de gastos públicos nestas três áreas foi o que garantiu sua universalização. As despesas vinculadas são importantes para minimamente garantir serviços públicos e justiça social. Nessa lógica, a desvinculação significa uma lenta falência do sistema público de saúde e educação.
Neste mesmo tempo, enquanto as políticas que não possuem vinculação de gastos, como aquelas relacionadas ao desenvolvimento urbano (habitação e saneamento) padecem da vontade do governante na alocação orçamentária, não se constituem como políticas nem universais e nem regulares.
O segundo e quinto pontos remetem a questões trabalhistas, que, na sua essência, significam precarização dos vínculos trabalhistas. De modo a tornar o direito do trabalho maleável, a flexibilização abrange a forma de contratação dos trabalhadores, a duração do trabalho, a definição de salários, a negociação coletiva.
Consequentemente, a CNI pretende que o Estado retire a proteção normativa conferida ao trabalhador, inclusive as garantias mínimas, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindas da relação de emprego.
Na essência, a flexibilização da legislação trabalhista apresenta como tendência ampliar a exclusão social e a pobreza, incluindo, também, o aumento da economia informal, que sofre os efeitos e os impactos de uma maior precarização das relações de trabalho. Em geral, se todas as empresas flexibilizarem as relações de trabalho com redução dos salários, ao mesmo tempo, cai o consumo, cai o crescimento e todos perdem.
O terceiro e sexto pontos da agenda referem-se à tributação. No Brasil, como em qualquer outro país, existe uma disputa por recursos públicos no âmbito do orçamento do Estado. O orçamento público é um espaço de luta política, com as diferentes forças da sociedade buscando inserir seus interesses.
Notoriamente, a proposta em convalidar todos os incentivos fiscais concedidos ao setor industrial e utilizar créditos do PIS-Cofins e IPI para abater débitos relativos a contribuições previdenciárias e outros tributos federais significa uma apropriação de recursos públicos por parte da classe empresarial.
Dentro de uma conjuntura de crise que tem levado à queda real na arrecadação (1,79% em 2014 e 5,6% em 2015), essa proposta tende a contribuir para uma queda ainda maior da arrecadação federal, que, por consequência, implicará uma menor transferência constitucional a Estados e Municípios. Assim como as desonerações não resultaram em investimento privado, a convalidação dos tributos federais e estaduais segue a mesma tendência [leia mais aqui].
Quanto ao ponto quatro, a solução é vender o Brasil? O Valor Econômico de 13 de junho trouxe uma matéria do potencial da capacidade arrecadatória da União com a venda dos ativos federais (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Eletrobras, Correios, Infraero, dentre outras empresas).
Reflexo da crise, juntando tudo, o preço de mercado foi avaliado em R$ 127,8 bilhões, em torno de 2% do PIB, que pagam apenas 25% da conta de juros no ano passado. Em outras palavras, do ponto de vista fiscal, as privatizações são irrelevantes, ainda mais frente à elevação do déficit fiscal de R$ 170 bilhões em 2016 e R$ 139 bilhões para 2017.
No seu âmago, retomar o processo de privatização de empresas e serviços públicos além de não trazer os resultados preteridos, fragilizar a autonomia relativa do Estado e promover a quebra do encadeamento produtivo nacional, irá significar um aumento ainda mais exacerbado da estrangeirização da economia brasileira, já que o capital privado nacional é a pata fraca do tripé.
Por volta de 1200 a.C com o colapso da civilização micênica, a Grécia vivenciou uma longa Idade das Trevas, durante a qual a escrita desapareceu e a vida econômica e política regrediu para estágio rudimentar. Seguindo as entrelinhas da Agenda CNI – que corrobora com a “Ponte para o Futuro”, do PMDB, Agenda Brasil do Senado Federal e PEC 241 – notadamente a infantaria pesadamente armada pelas doutrinas antidemocráticas da linhagem conservadora trará para “os filhos deste solo” um longo período de regressão social jamais visto.
Pautada por “iniciativas capazes de recuperar a confiança”, as atividades que estão agendadas pela CNI contribuem diretamente para aprofundar a crise. O surpreendente é que a classe empresarial não percebe (ou não quer perceber) que a Agenda CNI de austeridade fiscal, limite decrescente para a relação entre gastos correntes em proporção do PIB e queda da arrecadação federal, contribui para reforçar a crise econômica, social, política e institucional.
* Juliano Giassi Goularti é doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), onde também integra o Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (CEDE)
(Artigo divulgado originalmente no site Brasil Debate)