#Destaques | 06/08/2019
No meio da crise em 2016, quando colocou um pato inflável enorme na porta do Congresso Nacional, a Fiesp, que era parte do problema, estava dizendo que não queria ser parte da solução. A pergunta óbvia, neste caso, era “quem vai pagar então?”, afinal, em economia, não adianta perguntar o quanto se ganha ou perde sem perguntar também quem ganha ou perde.
Do pato pra cá, muita coisa ruim aconteceu. Mas algo triste nos dá pistas sobre quem está pagando a conta e perdendo: a desigualdade da renda do trabalho está aumentando.
O Brasil vive uma estagnação desigual e instável. A pouca recuperação que ocorre beneficia mais os mais ricos. Ela é maior, por exemplo, nos 5% do topo do que no restante da população. Para mais ou menos metade dos trabalhadores, a recessão não foi recuperada. Sua renda teve perdas importantes e segue estagnada.
O desemprego nunca havia sido uma causa importante da desigualdade.
Esse aumento da desigualdade é o reverso do que vinha acontecendo nas últimas duas décadas. Desde meados dos anos 1990, os salários vinham se tornando mais iguais. Mas, por volta de 2015, a trajetória muda para um crescimento rápido das diferenças entre trabalhadores.
Por trás desse aumento, há um novo vilão: o desemprego. Historicamente, o mercado de trabalho brasileiro sofre de crônica informalidade e subemprego. O desemprego, contudo, nunca havia sido uma causa importante de desigualdade. Agora, porém, responde pela maior parte dela. Com níveis de desemprego altos, as poucas melhoras observadas em alguns setores da economia são dissipadas pelo fato de uma parte muito grande da população não ter trabalho algum.
O próprio desemprego já é desigualmente distribuído. É mais alto entre pessoas com menor escolaridade. Por isso, sua redução tenderia a melhorar a vida daquelas mais pobres. Como o desemprego praticamente não cai, as poucas melhoras na economia estão deixando os mais pobres para trás.
Mas o aumento da desigualdade se estende também àqueles que têm sobrevivido à recessão permanecendo em seus postos de trabalho. Os trabalhadores do setor formal, incluído o setor público, observam alguma melhora enquanto os trabalhadores do setor informal, com pouca proteção ao emprego, permanecem estagnados.
Uma andorinha só não faz verão. Tampouco um pato sozinho cria recessão. Porém, o pato e aquilo que ele representa pioraram as coisas. Criou-se um ambiente de instabilidade política que o governo atual não dá sinais de querer resolver. Adicione-se a isso a instabilidade no mercado de trabalho, e um dos riscos que o Brasil corre é um novo retrocesso para quem trabalha.
A situação é instável porque a melhoria observada entre os trabalhadores mais ricos está mais relacionada a aumentos de rendas com grande flutuação do que a salários regulares. São rendimentos eventuais, que oscilam ao longo do tempo. Isso é ruim, à medida que não assegura estabilidade no consumo, dificultando a recuperação econômica.
A crise do trabalho só não é maior porque o estado serviu de amortecedor.
A crise do trabalho só não é maior porque o estado serviu de amortecedor. Não só por meio das políticas sociais estabelecidas em sucessivos governos, mas também pela proteção às atividades em educação, saúde e serviços sociais. O desemprego não cresceu mais porque essas áreas estavam mais protegidas. São elas, aliás, as que mais puxam a recuperação da renda do trabalho no Brasil.
Postos de trabalho que não dão sinais de melhora são aqueles na indústria, tanto de transformação quanto de construção civil. Essas atividades continuam em retração, uma tendência que vem de longa data. Ou seja, seguem em declínio apesar terem sido beneficiadas por uma onda de redução de impostos, barateamento de energia e favorecimentos à indústria que comprometeram as finanças do estado e ajudaram a criar o problema.
Quem apostou em privatizar os ganhos e socializar os prejuízos perdeu. A instabilidade política não resultou na dança de cadeiras esperada e acabou agravando a crise. Todos saíram piores. Mas quem pagou a pior parte do pato foram os mais pobres.
Fonte: Marcelo Medeiros e Rogério Barbosa – The Intercept Brasil