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#Notícias | 20/05/2020

As primeiras semanas da crise causada pelo novo coronavírus no Brasil escancaram a dificuldade que o país teria para enfrentar o momento, com falta de itens básicos de proteção para os trabalhadores da saúde. Logo veio à tona que não haveria máscaras e aventais, os chamados equipamentos de proteção individual (EPI), em quantidade suficiente para quem atua na linha de frente do enfrentamento da pandemia. Produzidos prioritariamente na China, a alta demanda de outros países pelos materiais levaria à falta e à dificuldade de garantir a compra desses equipamentos.

 

A situação revelou não só a carência, como evidenciou alguns dos problemas da indústria brasileira. Em meio ao grave momento de saúde pública, o país se viu dependente de fábricas instaladas no outro lado do mundo para obter itens tão básicos. Foi com esse pano de fundo que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) lançou, na última semana, a nota técnica intitulada “Reconversão industrial em tempos de Covid-19: o papel dos governos para salvar vidas”.

 

No documento, o Dieese faz uma longa explanação sobre a situação da indústria brasileira e propõe a reconversão, ou seja, a adaptação de plantas industriais para fabricar agora os materiais prioritários no enfrentamento da pandemia que assola o mundo.

 

“É uma medida importante para gerar capacidade no sistema produtivo, elaborar e produzir os equipamentos de proteção individual, como máscaras e aventais, e os respiradores, necessários nas UTIs”, explica Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese. “Boa parte desses equipamentos são importados ou têm produção restrita, e muitos países passaram a fazer mudança na sua base industrial para produzir os elementos vitais ao combate à crise sanitária.”

 

A nota técnica do Dieese enfatiza que o processo de reconversão industrial consiste na rápida transformação de plantas industriais com relativa flexibilidade produtiva e que estejam operando com baixa utilização da capacidade instalada, transformando-as em unidades produtivas adaptadas emergencialmente para a produção de bens ou equipamentos de primeira necessidade temporariamente escassos. “Assim, e considerando o momento atual, parte da indústria brasileira pode e deve ser rapidamente adaptada, visando produzir produtos, insumos, componentes, materiais de reposição, bens consumíveis e equipamentos médico-hospitalares destinados a salvar milhares de vida”, diz trecho do documento.

 

O exemplo mais usual é a fabricação de máscaras e aventais pela indústria de tecidos. Há outros, como a fabricação de respiradores pela empresa Magnamed, com apoio de um grupo de empresas lideradas por Positivo Tecnologia, Suzano, Klabin, Flex e Embraer, apoiadas pela Fiat Chrysler Automóveis, White Martins e Veg. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dezembro de 2019, o Brasil contava com 62 mil respiradores, somadas a rede hospitalar pública e privada. “É uma medida para gerar capacidade de atendimento na área da saúde e de produção dos equipamentos necessários”, destaca Ganz Lúcio.

 

Na avaliação do diretor do Dieese, alguns governos estaduais têm tomado a iniciativa de procurar o setor empresarial para promover essa reconversão industrial, atitude que tem faltado ao governo federal. “O Brasil carece de uma organização nacional, é uma ausência dramática, porque isso poderia ser favorecido se nós tivéssemos, no governo federal, iniciativas coordenando esse apoio, como os bancos de fomento apoiando micro e pequenas empresas.”

 

Nos últimos dois meses, diversos projetos de respiradores foram desenvolvidos e estão sendo aperfeiçoados por universidades brasileiras, com qualidade e redução de custos de um produto que custa, em média, R$ 50 mil. “Além da economia, além da velocidade, também estimularia os nossos pesquisadores e a produção nacional”, afirma Clemente Ganz Lúcio.

 

Reindustrialização

 

A reconversão industrial para auxiliar na emergência sanitária seria uma medida de curto prazo, uma resposta direta para enfrentar o problema. O diretor do Dieese, todavia, propõe ir além e defende que tal orientação possa abrir a perspectiva, a médio e longo prazo, de reindustrialização do país.

 

“Neste caso, saímos da reconversão, que é uma coisa muito direta com relação à demanda, para uma abordagem mais ampla, que é pensar na reindustrialização, a reorganização do sistema produtivo visando o desenvolvimento industrial, restabelecendo elos e cadeias produtivas que foram desmontadas ou transferidas para o exterior. Poderíamos ter, nesse tipo de iniciativa, a retomada de um debate visando recolocar a reindustrialização do país como componente de um projeto de desenvolvimento nacional”, afirma Clemente Ganz Lúcio.

 

Informações do Ministério da Economia apontam que a indústria farmacêutica no Brasil empregou, em 2018, cerca de 102 mil trabalhadores diretos em 771 estabelecimentos. Por sua vez, a indústria de fabricação de instrumentos e materiais para uso médico e odontológico, no mesmo ano, empregou 39 mil trabalhadores diretos.

 

Para Ganz Lúcio, as “travas” da possibilidade de reindustrialização estão postas a partir da concepção neoliberal adotada nos últimos anos, com a premissa de que não cabe ao Estado a iniciativa de tal estratégia, e sim apenas ao mercado.

 

“O Estado brasileiro festejou a venda da Embraer. A Alemanha bloqueou a venda de suas empresas nacionais. Portanto, duas economias capitalistas com visões radicalmente distintas do que seria a presença do Estado nacional coordenando ou articulando projetos e estratégias de desenvolvimento industrial”, exemplifica.

 

Ainda que a adoção do modelo neoliberal de desenvolvimento seja prevalecente nos últimos anos, o diretor-técnico do Dieese avalia que, de modo mais amplo, nas últimas décadas o Brasil adotou políticas que não “animaram” o fortalecimento da base industrial do país.

 

“Transferimos parte da nossa estrutura industrial, perdemos competitividade, deixamos de fazer investimento tecnológico, deixamos de investir em pesquisa e inovação, enfim, deixamos de ter política industrial e a política macroeconômica, ao longo de quase três décadas, colocou a nossa base industrial em desvantagem competitiva”, analisa o diretor-técnico do Dieese.

 

O documento do Dieese destaca que a adaptação de plantas fabris para a produção de itens específicos, quando bem implementada, “pode não só reduzir os gargalos em segmentos mais sensíveis, como contribuir para a manutenção de empregos e para mitigar a queda abrupta da atividade econômica, mantendo a demanda efetiva, tanto no presente, quanto em futuro próximo”. A taxa de desemprego, que já era alta no Brasil antes do coronavírus, tudo indica que será bem maior quando a pandemia passar.

 

Fonte: Sul 21

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Publicado em:20/05/2020

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