#Destaques | 02/04/2019
No aniversário de 55 anos do golpe militar no Brasil, um decreto presidencial deu aceno positivo a comemorações alusivas à data. Entre a liminar da 6ª Vara da Justiça Federal, que proibiu manifestações do tipo, e a derrubada da mesma pela desembargadora Maria do Carmo Cardoso, ressurgiu a discussão acerca dos anos em que os militares estiveram no comando do país (1964 – 1985).
Para Jairo Carneiro, metalúrgico aposentado e militante da Juventude Operária Católica (JOC) no início da ditadura, cogitar comemorações a um regime que perseguiu, torturou e matou muitos demonstra claramente a fragilidade de liberdade em que o país se encontra. “Nós não estamos vivendo um período de normalidade democrática, estamos vivendo um período de democracia consentida”, afirma.
Em 1964, com apenas 15 anos de idade e um envolvimento ainda tímido junto à política da época, ele lembra que os movimentos de repressão já eram sentidos. “Meu pai era metalúrgico, meus irmãos e irmãs também eram e a gente já notava as diferenças de tratamento em quem fazia grave, quem fazia luta, quem ia ao Sindicato”.
No bairro Sarandi, em Porto Alegre, nem o ambiente escolar escapava do monitoramento do regime. “Eu estudava em uma escola municipal ali no Sarandi, a Liberato Salzano Vieira da Cunha. E tinha um menino ligado a grupos de esquerda. Ele e a irmã dele estudavam ali. Era Batalha que chamavam ele. E um dia eles me chamaram num canto e disseram ‘te manda que amanhã vai baixar o DOPS aqui’. Daquele dia em diante não fui mais na escola. E de fato o DOPS baixou, porque o nosso professor de economia era do CCC, Comando de Caça aos Comunistas”.
A frente da direção nacional da JOC, após vários integrantes terem sido presos pelo regime, Carneiro vivenciou de perto o Brasil sob a repressão dos militares. Na época, a organização contava com 527 militantes, 101 dirigentes e 26 coordenadores permanentes, entre desempregados, operários industriais e empregadas domésticas. Os recursos para a manutenção da organização provinham principalmente da JOC internacional, sediada em Bruxelas, da França e da Itália.
“Havia um temor muito grande. Todo mundo desconfiava de todo mundo, até na família”, relata. Nas viagens, diz ele, era comum entrar no ônibus e ficar calado durante todo o percurso. “Quando alguém se dirigia a ti e perguntava o que tu fazia, tu já tremia porque podia muito bem ser um cara que depois te entregaria”.
Na década de 70, o envolvimento se expandiu ao movimento sindical. As grandes greves contra o arrocho salarial e os movimentos de luta e conscientização dos operários agitavam as fábricas, resultando no acirramento do regime contra os trabalhadores.
“Na oposição dos metalúrgicos de São Paulo, liderada pelo Valdemar Rossi, eles se reuniam na Igreja da Pompéia. E em um dia que estava todo mundo reunido a polícia bateu e prendeu. Depois, descobriram que tinha um mendigo que ficou um ano inteiro só pesquisando quem vinha, quem não vinha, quem tava lá, que não tava lá”.
Em paralelo à luta dos trabalhadores e ao trabalho de base dos sindicatos, estavam os movimentos de luta armada, como o a VAR-Palmares, a ALN e a VPR de Carlos Lamarca. Conforme lembra Carneiro, as ações destes grupos, quando bem-sucedidas, tinham um sentido de vitória aos trabalhadores e militantes oprimidos pelo regime. Como exemplo, ele retoma o caso do empresário Albert Hening Boilesen, na época, presidente do grupo Ultra, que tinha a Ultragaz como uma de suas empresas.
Boilesen tinha papel fundamental no regime como articulador, convocando novos empresários ao financiamento da Ditadura. Entusiasta da Operação Bandeirante (Oban), criada para reprimir os grupos da esquerda armada e financiada por empresários vinculados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o empresário frequentava as sessões de tortura nos porões militares e teria importado dos Estados Unidos um instrumento que soltava descargas elétricas crescentes, conhecido como “pianola Boilesen” e também como “Maricota”.
Em uma ação conjunta de grupos da luta armada, o empresário foi morto em São Paulo, em abril e 1971. “Essa foi a nossa vibração, porque ele foi o cara que trouxe a Maricota e não só isso, porque ele ia nas sessões ajudar a torturar. Era sadismo puro”, lembra Carneiro.
Questionado sobre os paralelos possíveis entre a época do regime e o atual momento político do Brasil, também comandado por um militar reformado, ele diz haver semelhanças na forma como a polícia militar oprime e agride a população. No entanto, destaca o diferencial da comunicação. “Naquela época nós levávamos muito tempo para ter acesso a informação. Hoje, o político diz algo e em questão de segundos todos tem acesso. E nós temos que usar a comunicação a nosso favor, como uma arma para deslegitimar a opressão”.
Como soluções, aponta Jairo, é necessário retomar os trabalhos de base e a organização próxima aos trabalhadores, com discussões e conscientização. “Nós não derrubamos a ditadura porque tínhamos armas. Derrubamos porque levamos ela a um descrédito total, a um ponto que eles não tinham mais o que fazer. O mundo estava contra, começava a intervir na questão dos massacres, das prisões, das mortes”.
Quem é Jairo Carneiro?
Jairo Carneiro é metalúrgico aposentado, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do Rio Grande do Sul (FTMRS) e do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre. Foi militante de movimentos populares, com mais afinco junto a Juventude Operária Católica (JOC), e com mais de quatro décadas de luta, tornou-se grande representante do movimento sindical e popular no Rio Grande do Sul. Durante os anos 70, foi perseguido político durante a ditadura militar.
Fonte: Rita Garrido – STIMMMEC