#Destaques | 02/10/2018
Milhares de pessoas saíram às ruas das cidades brasileiras no último sábado (29) para demonstrar repúdio ao candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL). Os atos, liderados por mulheres, foram motivados pelas declarações de cunho machista e preconceituoso por parte do candidato em diversas ocasiões. Em Porto Alegre, a manifestação no Parque Farroupilha (Redenção) reuniu mais de 40 mil pessoas, segundo as organizadoras.
Para a cientista política Céli Pinto, professora do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ainda não é possível prever qual o impacto das manifestações nas urnas, mas já se tem certeza de sua importância histórica. “As manifestações foram muito grandes, muito importantes, e certamente foi o maior movimento de mulheres da história do país”, avalia.
Dentre as diversas falas de cunho misógino, machista e violento de Bolsonaro, uma das mais conhecidas é o episódio em que ele disse à colega deputada federal Maria do Rosário (PT) que não a estupraria porque ela era “não merecia”, acrescentando que era “muito feia”.
Em sua atuação na Câmara nos últimos 27 anos, o deputado também já defendeu que mulheres recebam menos do que homens porque engravidam e classificou o nascimento de sua única filha do sexo feminino, após quatro homens, como “uma fraquejada”. Seu vice, General Mourão (PRTB), recentemente afirmou que famílias criadas por mãe e avó são “fábricas de desajustados”.
Segundo Céli, um dos méritos da mobilização foi justamente ter juntado uma multidão chamada por mulheres. “É organizada por mulheres, construída por mulheres e trouxe para a rua homens e mulheres. Eu fui à manifestação e tinha muitos homens, crianças, em um tamanho que não se via desde as Diretas Já”, afirma a professora.
Os protestos acontecem na onda do movimento #EleNão, iniciado nas redes sociais a partir do grupo no Facebook ‘Mulheres Unidas contra Bolsonaro’, que já reúne quase 4 milhões de participantes.
Céli menciona que os atos acabaram se tornando também uma reivindicação a favor dos direitos humanos em geral, incluindo populações LGBT, indígenas e negras, que também já foram alvo de ataques por parte de Bolsonaro. “A hegemonia era de mulheres, mas talvez a coisa mais importante é que o movimento ‘Ele Não’ se tornou muito mais do que isso”, aponta.
A cientista política critica, porém, o papel da mídia na cobertura das manifestações. “Houve uma tentativa muito pouco séria de fazer uma comparação entre o movimento de massas, muito amplo, contra o Bolsonaro, contra a ameaça que ele representa à democracia, e manifestações de apoiadores dele. Eles tentaram novamente fazer esse tipo de coisa como se dois extremismos aparecessem. Isso foi um grande desserviço que a mídia prestou ao país”.
O que ela considera fundamental, a partir de agora, é que o movimento que foi lançado em função da candidatura de Bolsonaro tenha continuidade. “Meu desejo, minha expectativa é que isso seja alguma coisa maior que as eleições. Neste momento, estas questões ficam no centro da discussão. Mas as pessoas não fazem política o tempo todo nem se mobilizam o tempo todo”, destaca, acrescentando que, seja quem for que ganhe a eleição, “há uma mobilização muito interessante para enfrentar momentos difíceis”.
As mulheres, com esse movimento, passaram a perceber que podem sim ter um papel de protagonismo no que se refere à política, na avaliação da professora. “As mulheres, nessas eleições, mudaram a sua posição em relação à política. Ou seja, não haverá mais política no Brasil sem as mulheres”, define.
Céli destaca que o Brasil é um dos mais atrasados do mundo em termos de representatividade feminina na política institucional, o que pode vir a mudar, “não por vontade da lei”, mas sim como consequência dessa grande mobilização. “Acho que talvez seja a grande vitória desse movimento, é que não se faz mais política sem mulher nesse país de agora em diante”, afirma.
Fonte: Débora Fogliato – Sul21