#Notícias | 21/06/2017
Entre os dez assuntos mais recorrentes no Poder Judiciário, dois são referentes ao Direito do Trabalho, inclusive o campeão: ações relativas à rescisão do contrato de trabalho ou verbas rescisórias. Segundo a publicação Justiça em Números 2016, somente em 2015 foram 4,98 milhões de novos casos no Judiciário brasileiro com essa temática. No Rio Grande do Sul, 53,9% dos processos trabalhistas eram relativos a verbas rescisórias.
Em sétimo lugar no levantamento nacional estão as ações de responsabilidade civil do empregador ou de indenização por dano moral. De todos os processos iniciados no Brasil naquele ano, 22,6% eram referentes ao Direito do Trabalho. No Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), 20,2% das ações trabalhistas de 2015 tinham a ver com verbas indenizatórias.
Segundo o presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra IV), Rodrigo Trindade, as verbas rescisórias são obrigatoriamente pagas quando o trabalhador é demitido ou pede demissão. “O mais comum são pessoas demitidas que não receberam nem o mês que trabalharam e são obrigadas a buscar seus direitos”, relata.
Em relação às ações de responsabilidade civil e indenização por dano moral, grande parte é referente a acidentes de trabalho. “São pessoas que se acidentam ou ficam doentes no serviço e precisam buscar na Justiça a reparação. Dentro dessa categoria, também há o assédio moral e o sexual”, cita.
Para Trindade, de modo geral, o Brasil é o “país dos delinquentes”. “As pessoas têm muita dificuldade de cumprir a lei sem uma determinação judicial. É muito comum o não pagamento de verbas rescisórias, porque há uma relação desigual entre empregado e empregador, e o empregador sabe disso”, pontua. Além disso, o fato de o empregado não receber o salário antes de trabalhar abre brecha para tais irregularidades.
Uma mudança que reduziria o número de ações trabalhistas, conforme o magistrado, é aumentar os juros e multas cobrados pela Justiça do Trabalho. “Os valores são muito baixos, o que estimula os empregadores a não fazer o pagamento de modo espontâneo e esperar vir o processo”, defende o presidente da Amatra IV.
Como os casos passam por audiências de conciliação, muitas vezes, o empregador acaba pagando até menos do que devia ao empregado. “Em outros países não é assim, porque existe a cultura do pagamento espontâneo, e as empresas que não pagam são punidas de forma mais efetiva, especialmente quando escondem seu patrimônio”, destaca Trindade. Quando um empresário está inadimplente com um funcionário ou uma empresa terceirizada, muitas vezes, coloca seu patrimônio no nome de terceiros, a fim de não os ver bloqueados até o pagamento.
O magistrado tem convicção de que uma punição mais efetiva dos maus empresários e o reconhecimento de boas ações cometidas por bons empresários fariam a diferença. “Hoje em dia, se um empregador possui uma dívida para pagar seu carro, a financeira aplicará juros gigantescos para ele. Por outro lado, se ele não paga o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e sonega horas extras, é aplicada apenas a correção monetária, totalmente insuficiente para desestimular o descumprimento”, cita. Para o presidente da Amatra IV, trata-se de uma política aparente de estímulo ao empregador para que escolha inadimplir os pagamentos trabalhistas.
Morosidade do Judiciário é uma das causas de desrespeito a leis
Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul (OAB/RS) e advogado trabalhista há 40 anos, Raimar Machado aponta como os principais problemas encontrados pelos trabalhadores os que envolvem diferença ou inexistência de depósitos de FGTS, danos morais, horas extras não pagas, não pagamento de adicionais de insalubridade e periculosidade e ausência de reajustes salariais.
“Não há um motivo específico para que essas sejam as ações mais comuns. Como são débitos comuns a todos os contratos, acabam sendo os processos mais usuais”, observa Machado. Entre as motivações para o não pagamento desses direitos, o advogado cita a confiança do empregador na morosidade da Justiça, que faz com que grande parte dos empregados não reclame. “Há uma vantagem espúria, pois, como muitos não exigem seus direitos, apenas quem exigir vai receber, e o empregador sai no lucro.”
Não há levantamentos a respeito, mas Machado estima que, de cada dez empregados que sofreram lesões trabalhistas, apenas um reclama. “O número de reclamantes é muito pequeno, até porque o trabalhador que reclama muitas vezes encontra dificuldades para obter um novo emprego, sobretudo em cidades menores”, salienta. Em grandes cidades, o problema maior é a morosidade e, por vezes, a falta de provas. De acordo com o advogado, um processo pode demorar de dois a 15 anos, com média entre quatro e cinco anos.
A legislação existente não dá instrumentos para que o empregado se previna contra o desrespeito a seus direitos – ele pode apenas reclamá-los na Justiça, quando lesado. “É claro que o Ministério Público pode entrar com alguma ação civil pública com empresas que normalmente cometem essas ilegalidades, mas mesmo ações como essa atendem a um universo muito pequeno de trabalhadores”, avalia Machado.
Reforma trabalhista dificulta ainda mais acesso à Justiça
Sob a ótica de Trindade e Machado, a reforma trabalhista em trâmite no Senado cria regras que dificultam ainda mais o acesso de empregados à Justiça. “Coloca-se um prazo menor para a prescrição das ações e a necessidade de tentativa de conciliação prévia, por exemplo, o que cria barreiras no acesso. Se a situação já é difícil hoje, seria muito mais. Por isso se diz que, com a reforma, a tendência é a Justiça do Trabalho ser extinta, pois a dificulta de tal maneira, que a torna inoperante”, pontua o advogado trabalhista.
Para o juiz, a perspectiva, com a reforma, é de grande piora no trabalho de modo geral. “Todas as mudanças previstas são para diminuição dos direitos. O horizonte que se aproxima é de redução de contratos de emprego e de salários, e de aumento de horas extras e de inadimplementos”, garante.
Há medidas mais efetivas para que os empresários tenham menos custos na contratação de funcionários, segundo Trindade. “A desoneração de impostos na folha de pagamento, por exemplo. Os que mais contratam deveriam ser estimulados. Poderíamos, também, acabar com o Sistema S, que desestimula o empregador a contratar mais”, sugere.
O Sistema S é composto por nove instituições que recebem contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas. Essas entidades, na maior parte de direito privado, devem aplicar os recursos em aperfeiçoamento profissional e melhoria do bem-estar dos trabalhadores. Compõem o Sistema S as entidades Senar, Senac, Sesc, Sescoop, Senai, Sesi, Sest, Senat e Sebrae.
Entretanto, o juiz destaca que o empregador deixa de contratar porque a produtividade está alta. “Até 2014, tínhamos pleno emprego no Brasil. Se contratavam mais empregados, e os custos eram iguais aos de hoje”, recorda. A reforma é pensada em função da crise econômica, mas, conforme Trindade, quanto mais pobre o trabalhador, mais será afetado negativamente pelas mudanças, pois ingressará em trabalhos terceirizados e autônomos, e passará por amplo achatamento salarial. Haverá, por isso, diminuição no recolhimento por parte da União.
Estudo da Central Única de Trabalhadores (CUT) de 2015 afirma que terceirizados têm salário 25% menor e trabalham 7,5% a mais do que celetistas. Pesquisa da mesma central, de 2011, revela ainda que, de cada cinco acidentes de trabalho, inclusive fatais, quatro acontecem com profissionais terceirizados.
Fonte: Isabella Sander (Jornal do Comércio – JC)