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#Destaques | 08/06/2016

Revelada na terça-feira 31, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios rea­lizada pelo IBGE entre fevereiro, março e abril deste ano apontou que 11,4 milhões de brasileiros estavam à procura de emprego no período. No dia seguinte à divulgação, cerca de 10 mil metalúrgicos do ABC Paulista foram às ruas protestar para não engrossar a estatística.

 

 

A categoria, uma das mais organizadas no País, teme uma provável rodada de demissões nas principais montadoras de São Paulo, capaz de atingir mais de 4 mil trabalhadores nos próximos meses.

 

 

A Ford e a Mercedes-Benz, gigantes do setor automotivo, anunciaram que não renovarão o Programa de Proteção ao Emprego. Aprovada em 2015, a redução de até 30% da jornada e dos salários dos trabalhadores, com a perda de rendimento compensada em 50% pelo governo, tem garantido a estabilidade de quase 20 mil metalúrgicos paulistas.

 

 

Com um estoque encalhado de 251,7 mil veículos, as montadoras refletem em sua decisão de não renovar o programa a continuidade do pessimismo do empresariado brasileiro com a retomada do crescimento.

 

 

A crise econômica acende o alerta entre as centrais sindicais. Não apenas pelo desemprego e a possibilidade de novas demissões, mas por alimentar a retórica dos patrões sobre a necessidade de se revisarem direitos trabalhistas.

 

 

Defendida pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), patrocinadora oficial do impeachment de Dilma Rousseff, e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a aprovação do projeto das terceirizações e a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho para impor a prevalência de acordos coletivos sobre as regras dispostas na legislação foram eleitas como pautas prioritárias da reforma trabalhista defendida pelo governo interino do PMDB.

 

 

O receituário previsto por Michel Temer atende a um clamor de longa data do empresariado nativo. Paulo Skaf, presidente da Fiesp, tornou-se o porta-voz da campanha em defesa do projeto para liberar as terceirizações em todas as atividades, aprovado pela Câmara em 2015 após sucessivas manobras de Eduardo Cunha.

 

 

Precarização

 

 

Ao defender que a medida geraria “700 mil empregos em São Paulo”, o presidente da entidade omitia em seu discurso a precarização dos trabalhadores terceirizados, que recebem salários 24,7% menores na comparação com os efetivos, permanecem na posição por metade do tempo e enfrentam jornadas maiores, segundo um dossiê preparado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioecômicos.

 

 

A Fiesp defende ainda a prevalência do negociado sobre o legislado. Durante as eleições de 2014, Benjamin Steinbruch, vice-presidente da federação, afirmou em entrevista que os direitos previstos na CLT, entre eles vale-transporte, alimentação, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, férias e horário de almoço, poderiam ser reduzidos em negociações diretas entre empregados e patrões.

 

 

A CNI também apoia uma reforma trabalhista nos mesmos moldes. Presidida por Robson Braga de Andrade, a entidade apresentou neste ano uma agenda para o País que inclui terceirizações, prevalência dos acordos sobre a legislação trabalhista e a reforma da Previdência.

 

 

Ainda envolvido na polêmica sobre a adoção de uma idade mínima para aposentadoria, motivo de abalo em sua relação com o deputado e aliado Paulinho da Força, presidente da Força Sindical, Temer sinaliza que pretende votar a reforma trabalhista até o fim do ano, mas Ronaldo Nogueira, ministro do Trabalho, pouco avançou na negociação com as centrais. Mesmo entre entidades mais simpáticas ao presidente interino, a rejeição à sua proposta de reforma trabalhista é unânime.

 

 

A terceirização das atividades-fim, sob análise no Senado, é rechaçada pelas três principais centrais do País: a CUT, a Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores. As três propõem a regulamentação dos terceirizados nas atividades-meio, que não constituem o objetivo principal das empresas.

 

 

Negociado sobre legislado

 

 

Sobre a possibilidade de acordos entre sindicatos e patrões prevalecerem ao disposto na CLT, as centrais novamente concordam: o momento de crise econômica não é propício para a adoção desse modelo, comum em países desenvolvidos. Segundo as entidades, a valorização da negociação requer um fortalecimento dos sindicatos nos locais de trabalho, algo pouco comum no País.

 

 

Embora a Constituição preveja a existência de um representante dos trabalhadores em cada empresa, denominado delegado sindical, a atividade não é regulamentada no Brasil e são poucas as categorias que dispõem de organização suficiente para encabeçar negociações vantajosas com os patrões.

 

 

Atualmente, acordos e convenções são mais comuns entre patrões e sindicatos com longa tradição de trabalho de base, entre eles entidades que representam metalúrgicos e bancários. As negociações preservam, contudo, a CLT como parâmetro legal.

 

 

O interesse na aprovação da prevalência do negociado sobre o legislado ganhou força no fim do ano passado. Em setembro de 2015, parlamentares do PMDB, do PSDB e do PSD, partidos que agora compõem a base do governo interino, propuseram emendas no texto da Medida Provisória que instituía o Programa de Proteção ao Emprego com o objetivo de alterar a CLT e valorizar as negociações coletivas, mas não obtiveram sucesso.

 

 

Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, afirma que atualmente propostas como redução de jornadas e de salários são frequentes, mas têm de preservar o mesmo “volume de direito” previsto na CLT. “Não há motivo para reabrir essa conversa. Apenas se a intenção for reduzir o que está previsto na lei”, alerta.

 

 

Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, lembra que a categoria fez um acordo recente de reduzir o horário do almoço em 30 minutos, mas em contrapartida os trabalhadores foram contemplados com a expansão dos refeitórios nas empresas e um dia de folga mensal.

 

 

“Acordos como esses passam fácil na assembleia do sindicato”, afirma. “Mas na forma proposta atualmente pelo empresariado, trata-se de uma flexibilização com viés de baixa. Nesta conjuntura pode-se gerar uma guerra trabalhista, na qual os trabalhadores se submetam a condições de perdas de direito apenas para preservar empregos.”

 

 

Vagner Freitas, presidente da CUT, afirma que o Brasil não tem tradição de negociações coletivas, pois o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho é limitado. “Nossa legislação burla a lei de greve e impede os sindicatos de representarem os trabalhadores de forma democrática”, afirma. “Uma grande parte da classe empresarial é atrasada e não quer a valorização das entidades. Não há relação que garanta o padrão de igualdade necessário.”

 

 

João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, reforça a posição contrária à aprovação de ambos os eixos da reforma trabalhista. “Em um primeiro momento, pensamos em discutir a terceirização das atividades-fim, mas houve tanto conflito que decidimos fechar posição com as outras centrais.”

 

 

Em relação à valorização dos acordos coletivos, Juruna afirma que a representação da Força nos locais de trabalho não chega a 100 empresas no País.  “Visitamos países onde as negociações prevalecem, como Estados Unidos e França, mas neles há grande participação democrática nas empresas. No Brasil, não passamos da porteira da fábrica.”

 

 

A UGT, principal sindicato dos trabalhadores de comércio e serviços, muitos deles terceirizados, também é contra as mudanças. Ricardo Patah, presidente da central, defende a regulamentação das terceirizações para as atividades-meio e um aprimoramento da estrutura sindical com o objetivo de valorizar as negociações coletivas.

 

 

A entidade intermediou dois acordos recentes. O primeiro limitou o aumento previsto para os trabalhadores de uma empresa do setor varejista de vestuário, e o segundo reduziu as jornadas em 20% e o salário em 5% dos funcionários de uma rede de livrarias.

 

 

“Em casos especiais, a UGT prefere preservar a empresa do que quebrá-la. Logo, buscamos acordos específicos”, argumenta. “Mas a classe empresarial tem ido com muita sede ao pote. No momento em que vivemos, não podemos tirar direitos pétreos dos trabalhadores.”

 

 

Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores

 

 

Além da resistência das centrais, o governo interino não terá vida fácil para aprovar a reforma trabalhista no Congresso. Doze deputados e senadores criaram, na terça 31, a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Direito dos Trabalhadores.

 

 

Presidida pelo senador Paulo Paim, do PT, a primeira reunião contou ainda com a presença de representantes do movimento sindical. O grupo afirma que há 55 matérias em andamento no Congresso com ataques aos direitos trabalhistas.

 

 

Paim, relator do projeto das terceirizações no Senado, diz não acreditar na aprovação da reforma pretendida pelo governo. “São medidas muito impopulares, não sei se ele terá a ousadia de levá-las à frente.”

 

 

Em audiências em todos os estados do País, Paim diz que os sindicatos rechaçaram de forma quase unânime a terceirização das atividades-fim. O mesmo deve ocorrer em relação ao negociado sobre o legislado. “No fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, a Câmara aprovou projeto semelhante, mas derrubamos no Senado”, lembra Paim.

 

 

Em comum com o cenário recente, o fim do governo do PSDB também foi marcado pela crise econômica. Em 2016, o empresariado recupera parte do receituário de arrocho proposto há 15 anos para a retomada do crescimento, mas desta vez amparado em um governo sem a legitimidade do voto.

 

 

Fonte: Miguel Martins, Carta Capital

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Publicado em:08/06/2016

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