#Destaques | 30/05/2016
Daqui a quatro dias, quando começa a 105ª Conferência Internacional do Trabalho, na sede da OIT, em Genebra, com representantes de 187 países, um debate particular vai envolver a delegação brasileira. A CUT vai se manifestar sobre o processo político no país, e prepara um discurso para denunciar o que chama de golpe contra o governo legitimamente eleito, enquanto a Força Sindical pretende dizer aos delegados estrangeiros que o Brasil vive uma situação de normalidade. Separadas na visão política, as centrais brasileiras devem se unir em torno de bandeiras comuns, como o combate à tendência mundial de desregulamentação de direitos.
“Vamos aproveitar todos os espaços onde a gente puder usar a palavra para passar o quadro no Brasil, no sentido de desfazer essa imagem de que houve um golpe”, diz o secretário de Relações Internacionais da Força, Nilton Souza da Silva, o Neco. “A gente vai mostrar que as instituições no Brasil estão funcionando perfeitamente. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, que redigiu o rito. As próprias organizações da sociedade civil estão fazendo manifestações, a favor, contra, não são reprimidas.”
O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, diz respeitar a posição, mas observa que não há unanimidade nessa questão. “Não existe unidade nem na Força Sindical sobre essa compreensão do que acontece no Brasil. Tem pessoas que acham que foi golpe, sim”, afirma. Para os cutistas, o tema não é motivo de dúvida: “Para nós, é um golpe. Vamos fazer um ato de denúncia em Genebra”.
A manifestação está prevista para 6 de junho. A conferência da OIT começa na próxima segunda-feira (30) e vai até o dia 10 do mês que vem.
As divergências políticas também se manifestaram durante o terceiro congresso da Central Sindical das Américas (CSA), em São Paulo, quando parte dos delegados, incluindo a Força, se retirou do evento. “Ficam defendendo governos, não trabalhadores”, critica Neco. Participaram no total 291 delegados de 55 centrais, com 30 milhões de trabalhadores na base. Votaram 45. Na direção eleita, que tem o canadense Hassan Yussuf na presidência, há dois brasileiros: Rafael Freire, ligado à CUT (secretário de Política Econômica e Desenvolvimento Sustentável), e Laerte Teixeira da Costa, da UGT (secretário de Políticas Sociais).
Desregulamentação
Na questão trabalhista, parece haver convergência. Em 2012, com apoio de governos da América Latina, o movimento sindical se uniu em torno da candidatura do britânico Guy Ryder, de origem sindical, para a direção geral da OIT, vencendo, na última rodada, um empresário francês. A CUT apoia sua reeleição.
“O período em que o Guy exerceu esse mandato é de profundo ataque à OIT”, observa Lisboa. “Com apoio dos trabalhadores, ele teve condição de fazer esse enfrentamento. Teve clareza e firmeza para isso”, afirma. O dirigente se refere à tendência mundial de desregulamentar a legislação, reduzindo direitos. Lisboa chama a atenção para tentativas dos governos de tentar enfraquecer o poder de normatização da entidade mundial.
Neco lembra que se trata do único órgão tripartite em que os trabalhadores têm direito de participação. “A classe empresarial tem fechado as portas para fazer uma discussão mais profunda. Ainda é fundamental (aOIT). Não que resolva os problemas, mas ajuda a traçar um norte”, afirma, considerando importante a gestão de Guy Ryder para o movimento sindical conseguir avançar em algumas disputas.
Mesmo internamente, as centrais brasileiras se unem em torno de algumas questões. Recentemente, as entidades apresentaram queixa à OIT por práticas antissindicais no país, criticando o que chamam de interferência do Poder Judiciário e do Ministério Público. Foi formado um grupo de trabalho para discutir o assunto, mas os empresários se retiraram. “O que está por trás disso é a liberdade de organização”, afirma o secretário da CUT.
Desigualdade
Entre as principais discussões da conferência, está o trabalho decente nas cadeias mundiais de suprimento (atividades que vão da produção ao fornecimento de mercadorias). “Isso tem gerado trabalho precário, semi-escravo, aprofundamento da desigualdade”, diz Lisboa. Os delegados discutirão ainda a meta de erradicação da pobreza até 2030 (conforme agenda das Nações Unidas) e vão avaliar declaração da OIT sobre justiça social para uma globalização menos desigual.
“O papel da OIT na luta contra a pobreza se deriva não apenas de suas responsabilidades históricas, mas também de realidades muito atuais. A pobreza não é simplesmente algo que “ocorre” ao mundo do trabalho. Mas se trata que nosso mundo do trabalho e nossos mercados laborais estão gerando pobreza, ou têm sido incapazes de pôr fim a ela”, diz Guy Ryder, em texto da conferência.
Segundo análise feita pela organização com base em dados do Banco Mundial, havia em 2015, nos países em desenvolvimento e nas economias chamadas emergentes, aproximadamente 327 milhões de trabalhadores vivendo em condições de pobreza extrema e 967 milhões em pobreza moderada ou situação de quase pobreza. “Nas economias avançadas, a proporção da população vivendo em condições de pobreza absoluta, segundo as definições locais, aumentou um ponto percentual entre 2007 e 2011. Em alguns países avançados mais afetados pela crise e por políticas adotadas para enfrentá-la, os índices de pobreza duplicaram.”
Para a OIT, a “interdependência” entre pobreza e desigualdade, conforme destaca a Agenda 2030, “é um chamamento explícito a combater e reduzir as desigualdades nos países, e entre eles, quando tais desigualdades alcançam níveis amplamente reconhecidos não só como constitutivos de uma injustiça social flagrante e de uma ameaça para a coesão social, como também como sérios obstáculos para o crescimento econômico e a criação de empregos”.
No documento, a Organização também chama a atenção para os efeitos da crise mundial para o mundo do trabalho, especialmente após a crise deflagrada em 2008. “Os altos níveis de desemprego e subemprego, somados ao estancamento ou à fraca progressão dos salários reais desde 2008, interromperam o processo de redução da pobreza que havia começado em muitos países.”
A OIT estima em 197 milhões o número de desempregados em todo o mundo no ano passado. Em 2016, pelas projeções, o total deve aumentar para 199 milhões.
Fonte: Rede Brasil Atual