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#Destaques | 24/02/2014

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Para obter esses dados, a Folha entrou em contato com todas as Procuradorias do Trabalho do Brasil (de um total de 24, três não responderam). Não havia esse levantamento nacional, segundo o MPT (Ministério Público do Trabalho).

Cabe ao MPT apresentar ações contra o assédio moral disseminado nas companhias e não ações individuais. Se uma individual pode gerar condenações entre R$ 5 mil e R$ 50 mil, segundo advogados, nas ações civis públicas, as cifras atingem valores milionários.

A maior condenação no país, segundo o MPT, foi contra o Walmart, no ano passado, com uma pena de R$ 22,3 milhões por assédio moral no Distrito Federal, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.

A decisão é de segunda instância e a empresa apresentou embargos de declaração na Justiça do Trabalho de Brasília, que é um recurso usado para sanar contradições ou omissões no acórdão (decisão de um grupo de juízes).

Vitor (nome fictício por solicitação do entrevistado), 29, foi funcionário do Walmart entre 2010 e 2013 em Brasília, como fiscal de produção e prevenção de perdas. Ele relata uma “rotina de cobranças excessivas com xingamentos dos seus superiores”.

Em nota, o Walmart afirma que os procedimentos adotados em suas unidades são respeitosos aos seus empregados e à legislação. A empresa acrescenta que obteve êxito em primeira instância e vai manter seu recurso.

Outra condenação milionária foi contra o Banco do Brasil. Em janeiro a Justiça do Trabalho da Bahia condenou em primeira instância a instituição a pagar R$ 2 milhões por ameaçar os funcionários de perda de cargo comissionado, ridicularização, isolamento e uso de apelidos depreciativos. Cabe recurso.

O banco afirma, em nota, que não compactua com práticas de assédio e que tem política interna para apurar denúncias, as quais são verificadas por Comitês de Ética. Em relação à ação movida pelo MPT, a instituição financeira informa estar adotando medidas judiciais.

Segundo o procurador do trabalho Luís Antônio Barbosa da Silva, os excessos serviam para forçar os funcionários a fecharem mais negócios com clientes.

SUBNOTIFICAÇÃO

A advogada trabalhista e pesquisadora da PUC-SP Adriana Calvo investigou no ano passado 76 ações civis públicas no país para sua tese de doutorado sobre assédio moral institucional e afirma que encontrou em sua apuração centenas de ações individuais que poderiam ter virado ações coletivas.

“Juízes do Trabalho afirmam que, em muitas decisões de ações individuais, descobrem durante as entrevistas com as testemunhas que o caso poderia ser coletivo. Porém nem sempre os juízes avisam o MPT”, afirma.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) afirmou que o juiz do trabalho tem o dever de notificar o MPT quando se constata que o assédio moral é uma política da empresa, mas raramente o MPT atua nas Varas do Trabalho (1ª instância).

Empresas confessam assediar e fazem os acordos de ajustes

Além dos processos de assédio moral coletivo em andamento na Justiça, há casos nos quais as companhias confessam a prática e assinam TACs (Termos de Ajustamento de Conduta). Esses acordos relativos à assédio moral recorrentes somam 1.787 desde 2003.

O documento é um reconhecimento de culpa por parte do empregador e uma maneira de evitar que a ação seja encaminhada à Justiça. A ação não chega ao tribunal pois trata-se de acordo com o Ministério Público do Trabalho.

A Almaviva, empresa de call center, por exemplo, assinou um TAC no fim do ano passado com o MPT de Minas Gerais. Por meio de nota, a empresa informou que instalou um ouvidoria on-line para denúncias, passou a receber visitas de procuradores e também a disponibilizar livre acesso aos toaletes, com a única exigência que os operadores avisem antes seus supervisores.

SUBIU O CONCEITO

A coordenadora nacional do tema do assédio moral no Ministério Público, Lisyane Chaves Motta, aponta lados positivos e negativos nos TACs.

“No TAC, a empresa admite o erro e demonstra boa vontade para se recuperar e prevenir falhas, mas ela precisa ser supervisionada. Já as ações civis públicas têm o peso pedagógico da multa. Faltam mais procuradores para apresentá-las”, diz Motta.

O Estado de São Paulo tem 131 procuradores do trabalho. No Brasil todo são 735. Motta afirma que as ações civis públicas e os TACs vêm aumentando a partir de 2008, quando o Ministério Público apresentou 44 ações.

O motivo para essa tendência é uma aceitação maior do conceito de assédio moral coletivo ou institucional. “Procuradores, sindicatos, empresas, pesquisadores acadêmicos e trabalhadores já reconhecem os danos causados pelo assédio.”

Ela cita problemas de saúde registrados como depressão, insônia, dores de cabeça, distúrbios digestivos, alcoolismo e a síndrome de “burnout” (ou síndrome do esgotamento profissional).

Os setores com mais casos são comércio, call centers e bancário. Porém Motta destaca que crescem registros na indústria. É o que também diz Jair dos Santos, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Campinas.

“O modelo de produção em muitas indústrias é assediador. Há casos de câmeras no banheiro, restrições para ir ao banheiro e alarmes que tocam quando uma máquina para por qualquer motivo”, relata.

Quase nenhuma Procuradoria do Trabalho tem estatísticas sobre o quanto as ações civis públicas arrecadam em conjunto. A que atende o interior paulista informou que, de 47 ações desde 2006, 23 tiveram condenação, arrecadando um total de R$ 21,8 milhões.

Segundo o coordenador estadual em São Paulo do tema do assédio moral, Ramon Santos, o trabalho do Ministério Público também reflete o crescimento da interiorização da economia, isto é, mais companhias estão sendo criadas ou se mudando para o interior do país.
Por: Folha de São Paulo

 

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Publicado em:24/02/2014

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