#Destaques | 25/07/2019
Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, 25 de julho, é um dia de luta e visibilidade da realidade das mulheres negras.
As mulheres negras são à base da pirâmide social, mas não aguentam mais esse peso. A elas são destinados os trabalhos com as remunerações mais baixas, com funções ainda muito ligadas ao trabalho doméstico e informal. Diante de qualquer crise no mercado de trabalho, estão no primeiro grupo a ser dispensado. Fora isso, enfrentam ainda toda a violência praticada pelos hospitais, com atendimentos desumanizados e altos índices de mortalidade materna, e dos órgãos de segurança – com os sucessivos assassinatos da população negra. No Brasil as mulheres negras ocupam posições subalternas, e só.
Os números apontam que as mulheres negras acumulam piores indicadores sociais no Brasil. São as mais pobres, as que têm menos oportunidades, que ganham menos e vivem em uma situação de, praticamente, nenhuma mobilidade social.
De acordo com o Disque 180, as mulheres negras representam 58,8% das vítimas em casos de violência doméstica. Elas também são 65,9% das que sofrem com a violência obstétrica, como aponta a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Já o Ministério da Saúde mostra que elas morrem mais em decorrência do parto: são 53,9% dos casos.
As mulheres negras também enfrentam desigualdade no ambiente de trabalho, e estão muito aquém de uma paridade salarial. Também sofrem discriminação na admissão, promoção e permanência no mercado de trabalho. E quando o recorte é por renda, mantêm-se a sequência da melhor à pior condição: homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras.
Historicamente formaram seu papel enquanto trabalhadoras intermitentes, que trabalhavam sob o chicote de seus senhores, sendo estupradas, criando filhos que não eram seus e vendo os seus próprios serem vendidos como mercadorias. Essa força de sobrevivência, transmitida por gerações, carregam um legado duro de perseverança, autossuficiência tenacidade. Ser mulher negra no Brasil é em si resistência.
É impossível dissociar a realidade brutal sobre o espaço ocupado pelas mulheres negras na sociedade brasileira e consequentemente a perversa vulnerabilidade social a qual estão submetidas do fato deste ter sido o último país do mundo a abolir oficialmente a escravidão. A natureza das relações de dominação e subordinação que operavam na escravidão se refletem até hoje. Pouco se avançou em políticas públicas para uma ampla conscientização antirracista e tal omissão é conveniente com a continuidade da exploração da classe trabalhadora, que é em sua maioria preta e periférica.
As mulheres negras sentem de forma acentuada o impacto do abandono total do Estado, da precarização e de retirada de direitos da classe trabalhadora, pois são reflexos de um país ainda escravagista onde a própria sociedade burguesa brasileira se fundamentou, no racismo e no escravagismo, direcionando as mulheres negras aos postos mais precarizados de trabalho, como os serviços gerais e o trabalho doméstico.
O sistema escravista definia o povo negro enquanto propriedade, unidades de trabalho lucrativas. Logo, as mulheres poderiam ser desprovidas de gênero e estavam muito distantes da suposta “fragilidade” feminina. Elas eram enviadas para o trabalho escravo desde a infância e separada de sua família como uma verdadeira mercadoria, não possuíam direito nenhum a exaltação à maternidade, estavam vulneráveis a todas as formas de coerção sexual e dificilmente eram “mulheres”, como eram definidas as brancas. As negras não eram “femininas” demais para o trabalho pesado e constantemente eram usadas como substitutas de animais nos trabalhos mais duros.
Se o capitalismo se alimenta da exploração crescente da força de trabalho, também encontra nas estruturas do racismo a mão de obra barata que sustenta seus pilares, condicionando as mulheres negras a uma realidade de marginalização, retirando qualquer perspectiva de futuro possível.
Definitivamente, um novo momento para o feminismo insurgiu no século XXI, porém, ainda há muito o que compreender e avançar no que tange a realidade das mulheres negras. Segundo o Mapa da Violência, o homicídio de mulheres negras cresceu em 54% em dez anos no Brasil, enquanto no mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%. Assim como os índices de encarceramento das mulheres, em sua maioria negras (68%), foi de 5.601 em 2010 para 44.721 no final de 2016. Segundo o IBGE, o índice de aborto provocado no país por mulheres negras é o dobro daquele verificado entre as brancas.
A luta das mulheres precisa se amparar na construção de um movimento antirracista, pois a sociedade escravocrata, patriarcal e burguesa foi fundada no racismo. As escravizadas de ontem são as periféricas e ocupantes dos cargos de trabalho mais explorados de hoje. E a essas mulheres, ao invés da fragilidade, restou somente a hipersexualização ou a desvalorização do seu papel enquanto mulher.
O capitalismo se apoiou na utilização das opressões a fim de ampliar a exploração da classe trabalhadora, passando a se apropriar das estruturas racistas condicionando mulheres negras a uma vida marginal, com trabalhos instáveis, violência, insegurança e superexploração. A luta pela criação de condições materiais que viabilizem a mudança real na condição de vida das mulheres negras como o acesso a educação, cultura e saúde, é uma maneira de intervir na base da pirâmide de opressão que sustentou o racismo e, em troca, extirpou os direitos básicos da população negra.
Lutar pela vida das mulheres negras é reconhecer que para o Estado há vidas que valem menos. É lutar pela garantia de direitos, pelo acesso irrestrito aos serviços públicos de qualidade, pelo fim do extermínio nas periferias, é combater a guerra às drogas. Pessoas comprometidas com a transformação da sociedade devem, urgentemente, lutar ao lado dessas mulheres, garantindo que suas vozes e pensamentos sejam protagonistas e ecoem na luta política.
A luta antirracista da CUT vem sendo construída nesse sentido de dar voz às mulheres negras e as suas pautas para que possamos realmente construir uma sociedade com condições de igualdade e de oportunidade para negros e não-negros.
No Brasil, a data de 25 de julho, além de ser o dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha também foi sancionada a Lei nº 12.987/2014 pela presidenta Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, no século 18. Com a morte de seu companheiro, se tornou a rainha do quilombo, e, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído e a população (79 negros e 30 índios) foi morta ou aprisionada.
Fonte: Maria Julia Nogueira e Rosana Sousa – CUT Brasil